Por Márcio Bueno
A sua empresa possui o Portal do Profissionalismo? Se você não sabe o que é, deixe-me explicar. Estes “portais” eram muito comuns na entrada das empresas no século passado. Acreditava-se que tinham um grande poder, pois faziam com que cada pessoa que passasse por ele deixasse do lado de fora os problemas, todas as preocupações e a vida pessoal, só passando por ele o lado profissional do colaborador.
Ultimamente, as empresas têm sofrido muito com isso. Seus portais do profissionalismo não têm funcionado como no passado.
E de quem é a culpa? Infelizmente é assim que ainda pensam alguns executivos. São capazes de enxergar as transformações do novo momento que estamos vivendo, mas continuam buscando culpados pelas coisas que não funcionam como funcionavam no passado.
Outros pensam que a evolução da espécie humana mudou algo em nós e, aparentemente. o portal deixou de ter efeito. Portanto, é preciso construir um portal novo para as novas gerações.
Em minha visão, pensar desta forma é de uma ingenuidade despropositada pois o portal nunca funcionou! Nem nunca funcionará!
A diferença é que antes a maioria das pessoas fingiam separar quem elas eram no trabalho de quem eram em sua vida pessoal e outras acreditavam realmente que isso era possível e tentavam, de fato, fazê-lo.
Imaginem por um momento que você estivesse passando qualquer uma destas situações:
– O seu filho está doente, te olha com aqueles olhinhos lacrimejantes de febre, quando você vai sair de casa;
– Sua mãe está com alguma doença grave;
– Seu irmão tem problemas financeiros;
– Seu melhor amigo foi mandado embora e está com depressão;
– Você está passando por uma situação sentimental delicada, seu relacionamento está acabando.
Mas não é somente situações negativas, também podem ser positivas:
– Você recebeu uma proposta de emprego na empresa que queria;
– O seu primeiro filho, tão desejado e aguardado, está para nascer;
– Está em processo de compra de uma casa, um carro ou algum bem que seja importante para você;
– Você acabou de se apaixonar.
Enfim, como você pôde perceber, para estar exposto a estes exemplos e outras centenas deles, basta estar vivo.
Eu tenho feito esta pergunta a vários empresários e executivos:
Sinceramente você acha possível criar processos à prova de emoções de seus colaboradores?
O mais incrível é que alguns pensam que sim! Acreditam que, independentemente de quem o execute, será feito da mesma maneira.
Querem ver um exemplo como este pensamento é absurdo?
Vejamos, um analista de crédito, seguindo estritamente os processos, aprova um crédito com o mesmo critério se na semana anterior o pai dele faleceu ou o filho dele nasceu?
São emoções e estado de ânimo radicalmente opostos e, obviamente, o analista de crédito, ainda que imbuído de toda sua boa fé e profissionalismo, não analisaria o crédito como o mesmo critério.
Para que não fique somente no terreno do achismo ou da opinião pessoal, Richard Thaler, economista americano, ganhou o prêmio Nobel de economia em 2017 com seu estudo de economia comportamental, onde demonstrou que não é possível separar as emoções dos processos de tomadas de decisões econômicas.
Portanto, Thaler somente demonstrou o que já sabíamos e tínhamos vergonha de admitir. Ou seja, não é possível separar as emoções da razão, não é possível separar parte de nós, somos um todo.
A empresa contrata um ser humano, uma pessoa completa, e querer que ele só traga ao trabalho o profissional e deixe “o resto” em casa. É possível? Por favor, em que mundo vivemos?
É óbvio que não tratamos igual ao presidente da empresa, que um cliente ou nossa avó. O comportamento deve ser diferente, porém, nossa forma de pensar e, principalmente, nossos valores, são os mesmos.
Se você acredita que pode ser profissional e agressivo na empresa, se você é capaz de despedir seu melhor amigo para alcançar os resultados, espremer até praticamente asfixiar seu fornecedor, fazer qualquer coisa para subir na empresa e, em casa você é “bonzinho”, em algum dos dois lugares, você está fingindo ser quem não é.
E esta “atitude esquizofrênica” imposta pelo mercado tem vida curta. Não é possível viver assim por muito tempo sem sofrer ou ficar doente.
Reconhecer que as emoções fazem parte do processo é o primeiro passo para humanizar a empresa, para abrir as portas ao ser humano completo, não somente o profissional, eliminar portais imaginários e banir do mundo corporativo frases como estas:
“Da porta para dentro somos profissionais”.
“Os problemas ficam do lado de fora”.
“Aqui se vem trabalhar não fazer amigos”.
“O único que vale aqui é resultado, os sentimentos não importam”.
Acredito que todos nós já ouvimos ou até dissemos algumas delas, mas não se sinta culpado por isso. Não devemos nos julgar, nem nos considerar más pessoas por isso. Este tipo de comportamento foi o que aprendemos nas escolas de negócio e nas empresas e pensávamos ser a forma correta de atuar. E, sejamos sinceros, funcionou por um bom tempo.
A tecnologia também contribuiu para este processo, tendo em vista que ela levou o trabalho para fora do escritório físico e “invadiu” a casa e a vida pessoal do colaborador. Sendo assim, para que se mantenha o equilíbrio, da mesma forma, a empresa deveria permitir que o colaborador traga sua vida pessoal para o trabalho também. Tudo isso, obviamente, obedecendo à uma lógica de sensatez e sem exageros.
Mas quando isso deixou de funcionar?
Quando chegamos ao limite e não conseguíamos, ou não queríamos, fingir mais, quando quem ainda tentava fingir começou a adoecer. E o maior gatilho da mudança foi quando chegou uma nova geração que se recusou a aceitar essa dualidade pessoal-profissional.
Somos quem somos, somos um ser completo (e maravilhoso), e tentar “comprar” somente um pedacinho é desrespeitar nossa plenitude; chega ser cruel desde o ponto de vista pessoal e, o pior, pouco inteligente do ponto de vista corporativo, porque não permite explorar todo o nosso potencial.
Ao contrário do que pensam os executivos favoráveis ao conceito do Portal do Profissionalismo…
Empresas humanizadas são mais profissionais!
Marcio Bueno assina a coluna “Tecno-Humanização”, no Inova360, parceiro do portal R7. É Tecno-Humanista, fundador da BE&SK (www.bensk.net) e criador do conceito de Tecno-Humanização.
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