Mais de 300 anos atrás, o cientista holandês e pioneiro em microbiologia Anton van Leeuwenhoek descreveu o movimento do espermatozoide humano como uma "torção" de um lado para o outro da cauda do gameta que o impulsionava para a frente.
Essa versão, universalmente aceita pela ciência ao longo dos séculos, acaba de ser negada por pesquisas conjuntas da Universidade de Bristol, no Reino Unido, e da Universidade Nacional Autônoma do México (Unam).
Os cientistas usaram tecnologia de ponta e análises matemáticas para reconstruir uma imagem tridimensional do verdadeiro movimento da cauda do espermatozoide.
"Em nenhum momento, sabíamos o que íamos encontrar e isso nos pegou de surpresa", diz o brasileiro Hermes Gadêlha, professor sênior de matemática aplicada e modelagem de dados da Universidade de Bristol, à BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC.
"O problema é que acreditamos cegamente no que vemos e pensamos que o que vemos é a realidade definitiva e esquecemos que isso ainda é apenas parte da realidade", acrescenta ele.
Mas acontece que essa realidade é limitada pela precisão dos instrumentos com os quais é observada.
Desde a descrição de Anton van Leeuwenhoek no século 17, nenhuma outra maneira foi pensada sobre como os espermatozoides poderiam se mover.
Quando visto com microscópios bidimensionais, o movimento rápido e sincronizado do gameta masculino cria a ilusão de que a cauda se mexe de um lado para o outro simetricamente "como enguias na água", como van Leeuewnhoek descreveu há mais de três séculos.
Mas acontece que esse movimento é assimétrico, acontece apenas de um lado. Seria como remar uma canoa com um único remo, o que, como sabemos, levaria a embarcação a um movimento circular.
Graças ao trabalho pioneiro da Unam, sob o comando dos pesquisadores Gabriel Corkidi e Alberto Darszon, foi possível reconstruir o verdadeiro movimento da cauda do espermatozoide em 3D.
Essa instituição possui uma câmera de alta velocidade que consegue capturar 55 mil quadros por segundo e um microscópio adaptado com um dispositivo que lhes permite escanear o movimento completo dos espermatozoides em 3D.
No entanto, segundo Gadêlha, não bastava ter uma imagem desses espermatozoides.
"Uma chave para o nosso projeto não era apenas obter a reconstrução 3D do espermatozoide, mas, para ver a assimetria, era necessário mover-se e nadar com o espermatozoide e, para isso, era necessário fazer uma transformação matemática", explica.
"O que levou ao resultado final foi a combinação dos instrumentos de ponta e a análise dos dados de ponta também", completa.
O que eles descobriram é que os espermatozoides desenvolveram uma técnica de nado para compensar a vibração irregular, movendo-se em espiral, semelhante a um saca-rolhas, e solucionando de maneira inteligente um mistério matemático em escala microscópica.
"De uma maneira matemática, bonita e elegante, a natureza nos diz que existe uma assimetria intrínseca que pode ser graciosamente regulada para que o movimento avance. Uma simetria da assimetria", diz Gadêlha.
"Há mais de uma maneira de avançar."
O movimento do saca-rolhas corrige a assimetria do nado de espermatozoide e o impulsiona para frente.
A rotação espermática pode ser um aspecto do estudo para especialistas em fertilidade, para descobrir se ele pode estar relacionado à infertilidade.
"Por enquanto é hipotético", ressalva Gadêlha, "mas espera-se que inspire especialistas em reprodução, biólogos, matemáticos e engenheiros a olhar e perguntar se isso é relevante para a saúde humana".
O estudo foi publicado na revista científica Science Advances.
Segundo Gabriel Corkidi, da Unam, "nosso microscópio com tecnologia 3D de última geração revelará muitos outros segredos escondidos na natureza. Algum dia, essa tecnologia estará disponível para os centros clínicos".
Por sua parte, Alberto Darszon, também da Unam, disse: "Esta descoberta revolucionará nossa compreensão da mobilidade espermática e seu impacto na fertilização natural. Pouco se sabe sobre o ambiente intrincado no trato reprodutivo feminino e como o nado do espermatozoide afeta a fertilização".
Segundo Gadêlha disse à BBC News Mundo, o que foi publicado até agora é apenas 10% do que eles descobriram. Há muito mais, acrescenta, mas grande parte da pesquisa ainda está sendo avaliada e escrita e, por enquanto, não é recomendável divulgá-la.
"O que posso dizer é que há muita coisa que o espermatozoide escondeu todo esse tempo e isso é muito empolgante para as equipes de Bristol e do México", diz ele. "Essa é a beleza de estudar algo tão único na natureza que nos inspira em tantas direções".
O laboratório de Gadêlha faz parte do Laboratório de Robótica Suave da Universidade de Bristol (um dos mais importantes da Europa), onde pesquisadores tentam criar espermatozoides robóticos para entender como ele usa sua cauda como uma máquina de calcular para tomar decisões.
"Esse é o sonho final da engenharia", conclui.
0 comentários:
Enviar um comentário