Você acabou de se casar. Ainda está curtindo o começo da nova fase, relembrando a cerimônia e recebendo mensagens de "parabéns", quando se depara com uma foto em rede social de sua roupa ou do menu que você passou meses escolhendo, com uma legenda sarcástica para que outras pessoas possam ridicularizar você e seu dia especial. Bem-vindo ao mundo dos casamentos online.
Grupos em que as pessoas se reúnem para fazer piada com qualquer coisa que tenha a ver com os casamentos estão em ascensão. Atualmente, o mais popular é uma comunidade do Facebook, criada no Canadá, com mais de 120 mil membros do mundo todo.
Existem cerca de 20 grupos semelhantes no Facebook, que têm de 62 mil participantes a menos de 10. No fórum Reddit, o tópico r/weddingshaming (algo como "casamento da vergonha" em inglês) tem quase 28 mil membros e posts com milhares de votos.
Embora os grupos do Facebook sejam privados, é relativamente fácil para qualquer pessoa participar. Basta responder a algumas perguntas, como "Qual foi a experiência de casamento mais 'ridícula' que você testemunhou?", e explicar como encontrou o grupo, para que moderadores possam avaliar suas intenções e filtrar os trolls – gíria da internet para usuários que buscam provocar e irritar os outros.
Mas ali não é um bom lugar para aqueles com nervos à flor da pele (apesar de os participantes concordarem em seguir regras sobre comentários depreciativos a respeito de raça, religião, orientação sexual ou gênero – que podem render uma expulsão, assim como falar sobre temas não relacionados à comunidade), e nem para os que buscam ideias para um casamento dos sonhos.
Uma rápida olhada no conteúdo publicado no maior destes grupos revela postagens sobre de tudo um pouco, desde o mau comportamento de padrinhos e madrinhas a decorações de gosto duvidoso, fotos constrangedoras e noivos que não parecem ter se dado muito trabalho com seu visual, para a própria festa de casamento.
"A noiva merece mais", diz um comentário. "Ele tirou essas calças do The Walking Dead?", afirma outro. "Ecaaaaaaa", exclama mais um. Isso sem falar no fluxo constante de postagens de vestidos de noiva feitos com "a cortina de chuveiro da vovó".
Mas nem tudo é veneno. As postagens mais curtidas costumam ser as mais engraçadas, como uma criança que invadiu a cerimônia e "apareceu em todas as fotos" (1,2 mil curtidas) ou a convidada que mostrou mais do que deveria para a família do namorado depois que seu vestido rasgou (6,1 mil).
Um espaço para desabafar?
Enquanto os relatos sobre a indelizadeza de madrinhas e padrinhos sempre chamam a atenção (como o de uma madrinha que não apareceu e nem mandou mensagem para avisar – 2,2 mil interações), as postagens mais sinceras também se saem bem – como o vendedor de uma boutique que escreveu uma mensagem dizendo para as noivas pararem de se sentir pressionadas a emagrecer (1,6 mil).
Esses grupos parecem ter começado como um espaço para desabafar sobre casamentos. Anton, de 22 anos, administra o maior grupo do tipo do Facebook com sua namorada. Ele discorda que este tipo de espaço encoraje comportamentos tóxicos.
"O grupo não existe nem há um ano e tem quase 120 mil membros e cerca de 2 milhões de interações por mês. É um ambiente semelhante ao que você veria em qualquer outro lugar na internet – há coisas boas, ruins e péssimas."
Mas Anton não se sente mal quando a situação fica péssima? "O termo wedding shaming é incompreendido muitas vezes. Muitas pessoas entram no grupo para obter opiniões honestas. Muitos membros o veem como o melhor amigo que gostariam de ter – alguém com quem se possa fofocar, que será honesto com você e te fará rir. Se você enxergar além dos comentários maliciosos, é realmente um bom grupo."
Mas "melhores amigos" não fazem piada com suas histórias de pedidos de casamento nem postam emojis para ridicularizar a decoração de sua festa, certo?
"Ocultamos alguns comentários ou pedimos a alguns membros que peguem leve", diz Anton. "Acho que tudo se resume a quem está atrás do teclado."
Essa tendência de ridicularização online se tornou popular em agosto de 2018, quando, em um post de um grupo que afirma ser o "original", uma noiva foi criticada por pedir a seus convidados que pagassem cerca de US$ 1,5 mil (R$ 6,3 mil em valores atuais) para participar do casamento.
A história viralizou depois que foi compartilhada pela modelo Chrissy Teigen. Os moderadores do grupo disseram à revista Wired que pensavam ter criado um espaço amigável em que as pessoas compartilhassem suas frustrações.
"Não ligo para o que alguém pensa sobre nosso grupo", disse um administrador. "É um lugar onde as pessoas podem desabafar sobre suas experiências malucas de casamento". Outro descreveu o grupo como um equivalente a assistir a reality shows: "Se algo não for ridículo, não vamos ridicularizar".
Desde então, esses grupos do Facebook cresceram exponencialmente. De acordo com um dos membros destes grupos, Orla, de 25 anos, tudo não passa de humor satírico. "Adoro ver todas as ideias malucas de casamento que as pessoas têm", diz.
Crueldade e entretenimento
Para outros, é um processo de catarse. "Minha amiga virou um pesadelo ao planejar seu casamento. Tudo o que ela fazia, especialmente nas redes sociais, era tão egocêntrico – como se ela fosse a única pessoa do mundo a se casar", diz Hannah, de 32 anos.
"Isso me deixou louca. Pesquisei 'noivas terríveis' no Google e cheguei ao grupo. Ver as experiências de outras pessoas com demandas nupciais irracionais me fez sentir melhor. Foi bom participar e desabafar sobre minha amiga. Não me importei se a ofenderia, porque ela nunca descobriria."
Depois, há aqueles que estão cientes do fator crueldade – e, ainda assim, continuam participando. "O conceito todo é um pouco ridículo por si só. Gera negatividade e maldade e não ajuda ninguém", diz Kathryn, de 26 anos. "Mas amo o fator entretenimento. Pelo menos, você aprende o que não fazer em casamentos."
Independentemente das motivações individuais das pessoas, a mensagem é clara: existe um lugar na internet com uma audiência cativa esperando para ridicularizar os dias especiais das outras pessoas, e os posts mais bizarros ou brutais viram manchete de sites de notícias.
Kat Williams, fundadora da revista digital sobre casamentos Rock'n'Roll Bride, descobriu a tendência há seis meses, quando soube que membros do grupo de Facebook de sua publicação, que tem 15 mil inscritos, estavam fazendo cópias de fotos dos casamentos de outros membros e as publicavam nestes grupos.
"Eles ridicularizam principalmente as roupas das pessoas, como um casal fotografado em um barco em que a noiva usava uma jaqueta fofa, e o noivo, um kilt. Não entendi por que, para eles, aquilo é tão ridículo", diz Williams.
"Acho que algumas pessoas veem algo incomum ou diferente e julgam, porque isso provavelmente as faz se sentir melhor sobre suas próprias vidas. Mas eles nunca conseguirão ser mais felizes jogando os outros para baixo."
Um padrão do 'casamento perfeito'
Kate Beavis, que administra um blog de casamento, acha que outras plataformas de mídia social estão inadvertidamente alimentando essa tendência. "O Instagram e o Pinterest nos dão uma visão de como seria um casamento 'perfeito', e o que não for assim não é bom o suficiente para algumas pessoas", afirma Beavis.
"Mas essas imagens são geralmente alteradas digitalmente ou feitas profissionalmente, com modelos. Portanto, ainda que essas plataformas possam servir de inspiração, elas criam um padrão na mente de algumas pessoas sobre como a festa deve ser."
Dada a seriedade com que algumas pessoas encaram os casamentos, ter um espaço online (semi)privado para falar mal de uma cerimônia pode ser visto como um antídoto para os aspectos altamente públicos e performativos dos casamentos que estamos tão acostumados a ver nas redes sociais.
No entanto, passe bastante tempo nestes grupos – principalmente, lendo os comentários – e verá que por trás das histórias nupciais e tolas, há um ambiente de ódio online.
Criticar outras pessoas nas mídias sociais por seu visual ou pela forma como agem em seus relacionamentos não é uma novidade. Mas essa proliferação de grupos criados com o único objetivo de criticar os dias especiais de outras pessoas levanta uma questão-chave: por que algumas pessoas não podem simplesmente ficar felizes pelas outras?
Comunidades de ódio online
A psicóloga Emma Kenny tem pesquisado comunidades de ódio online. "Algumas dessas pessoas podem ter características conhecidas como Dark Triad Personality (DTP; tríade negra da personalidade, em tradução livre), em que há altos níveis de narcisismo, maquiavelismo e psicopatia", diz ela.
"Geralmente, se fazemos algo desagradável, isso nos deixa irritados, nervosos ou zangados conosco, mas as pessoas com características de DTP não têm esse reforço negativo, então, buscam oportunidades de ser o mais horríveis e grotescas que puderem com outras pessoas."
Esse tipo de pessoa tende a achar que, se "alguém está melhor do que eles, esta pessoa não tem absolutamente nenhum direito a isso", diz Emma. Mas, quando um grupo tem milhares de membros, um tipo de personalidade pode ser suficiente para dar conta de toda essa história.
Emma acrescenta: "Esse é um caso extremo, mas você também tem pessoas que podem se sentir deprimidas com a própria vida e participam porque desabafar as faz se sentir menos sozinhas. É um terreno fértil para a maldade".
Mesmo que você não se enxergue nisso, Emma desaconselha participar desses grupos. "Quanto mais as pessoas fazem isso, maior a probabilidade de dessensibilizarem a si mesmas, além de perturbar os outros. Isso pode transformar as pessoas em monstros, e essa toxicidade pode transbordar para o mundo físico", afirma a psicóloga.
"As pessoas devem ter cuidado ao se envolver com esses grupos ou só se divertir às custas do casamento de outra pessoa, porque podem se transformar em alguém desagradável."
Vamos ser sinceros: as pessoas sempre terão uma opinião sobre casamentos, na internet ou fora dela. Mas uma coisa é fazer um comentário malicioso a um convidado ou à noiva. Outra é ridicularizá-los totalmente na frente de milhares de estranhos.
E, infelizmente, a popularidade desses grupos de wedding shaming não dá sinais de que atingiram seu pico, já que atualmente dezenas de postagens são aprovadas e publicadas a cada hora.
"Minha namorada pensou seriamente em fechá-lo algumas vezes por causa do enorme tempo que demanda", diz Anton.
"Não acho que alguém diria ser aceitável ridicularizar os casamentos de outras pessoas, mas, para algumas pessoas, fazer e receber comentários sobre seus casamentos pode ser interessante, porque muitas pessoas têm medo de ser honestas com os noivos."
A editora da Rock'n'Roll Bride não acredita que a tendência vá arrefecer tão cedo, mas diz estar lutando contra quem dissemina o ódio.
"Sempre publico coisas em nossas redes sociais que são positivas e inclusivas – como um casamento recente em Las Vegas em que o noivo era crossdresser e usava o mesmo vestido da noiva –, e a resposta é incrível. Felizmente, isso atrai pessoas positivas, que superam aquelas que só querem reclamar." Um brinde a isso.
*Os nomes dos entrevistados foram alterados.
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