28/10/2013

Bala de hortelã

 

 

Eu ainda não tinha feito 14 anos quando comecei a fazer teatro profissionalmente. Era aquele mesmo menino da história de ontem, do Renato Consorte, só que ainda mais novo.

Quando disse ao meu pai que teria que escolher entre o meu primeiro emprego e fazer teatro, (eu trabalhava havia uns 15 dias como auxiliar de almoxarifado numa empresa que lidava com borracha. Depois eu conto essa história),  meu pai me disse:

- A única coisa que não pode é parar de estudar. Se quiser deixar o emprego pra fazer teatro, vá em frente.

Quando eu disse que iria fazer isso, ele me colocou no colo, (olha como eu era pequeno), e me disse várias coisas, com a maior calma e segurança. Me falou de drogas, de homossexualismo e de todo o ambiente que eu iria frequentar. Terminou dizendo:

- Faça o que quiser. Se houver algo que te incomode, basta me contar - o que quer que seja. Não vou poder te ajudar muito com dinheiro, mas te garanto o dinheiro da condução, isso eu garanto.

Me deu um beijo e arrematou:

- Confio totalmente em você.

Foi assim que comecei a fazer teatro.

Durante essa nossa conversa inaugural, meu pai me deu exemplos. Disse que eu deveria ficar bem esperto porque, mesmo numa simples bala, alguém poderia me dar drogas. Não sei de onde ele tirou essa ideia...

Um dia, pouco tempo depois, eu estava na porta do TBC, Teatro Brasileiro de Comédia, na Rua Major Diogo, em São Paulo, quando um homem se aproximou de mim. Na verdade, ele não se aproximou de mim, ele parou na porta para ver o movimento assim como eu acabara de fazer. Esse homem colocou a mão no bolso e tirou uma bala de hortelã, dessas que a gente chupava sempre. Ele olhou pra mim e viu ali um garotinho, um garotinho. Enfiou a mão no bolso novamente, tirou outra bala de hortelã e disse, me oferecendo a bala:

- Quer?

Imediatamente, as palavras do meu pai vieram na minha cabeça e eu recusei. E devo ter recusado com cara de assustado porque o homem repetiu:

- Pega, menino, é só uma bala.

Eu recusei novamente, até porque, além de me oferecer a bala, ele era nitidamente gay. Ele fez uma cara de quem não tinha entendido nada e foi embora.

Durante anos, compartilhei momentos com esse homem, que se chamava Romano, era mesmo gay e absolutamente querido por todos, e por mim também, depois que o conheci.

Ele apenas me ofereceu uma inocente bala, sem drogas e sem nenhum intenção além de ser gentil.

Uns 15 anos depois desse dia na porta do TBC, tomei coragem e contei essa história pra ele e pedi muitas desculpas.

Ele não se lembrava, assim como o Consorte não se lembrava de nosso diálogo no banheiro (historinha de ontem).

De todo modo, gentil como sempre foi, ele me abraçou e me deu um beijo na bochecha. E ainda me disse:

- Fez muito bem, Giuseppe, fez muito bem.

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