Ressoa nos espaços educacionais e literários uma discussão pertinente e, sendo sincero, motivo de dor de cabeça a quem deseja prever ou adiantar movimentos históricos, nos quais insere-se a tecnologia. Não é de hoje que ouvimos a pergunta, com estas palavras ou outras: “será que o livro físico vai desaparecer?”.
O avanço da tecnologia para os meios da informação chegou à literatura há anos e marcou a criação dos chamados livros digitais, e-books, bem como deu vida às várias plataformas de leitura e, vale frisar, produção de texto. Sites, blogs e fóruns nos quais, num primeiro momento, a prioridade era falar sobre livros, leitura, discutir enredos e expor uma resenha sobre determinada obra; noutro momento, tornou-se prática compartilhar textos, compartilhar criações e influenciar o cotidiano de leitura dos navegantes.
No fio condutor deste movimento surge a criação literária no berço da rede, da chamada cibercultura. Uma produção textual com base em comunidades virtuais reunidas com o intuito de causas variadas. Este ponto, referente à produção na internet e para a internet – fique muito claro o “para” – reflete nestes tais dias atuais pelos quais passamos agora, percorrendo um caminho de rapidez, privilegiando informações rápidas e acompanhando com pressa dados soltos que são jogados pela rede, ao longo da extensão de suas diversas comunidades e sites.
Se antes a produção limitava-se ao físico, hoje não apenas o livro físico vincula-se à rede, mas a produção textual nasce diretamente dos caracteres expostos na tela e, se produzido em plataformas capazes de proporcionar ao leitor o acompanhamento do ritmo de produção do autor (neste caso, o leitor aguarda o escritor postar a cada período uma nova parte da história), o próprio suporte responsável pela produção, reprodução e leitura (o suporte digital) altera relação do autor com o texto e do leitor com o texto. Por exemplo: há a leitura do que foi posto na internet e do que foi produzido para ela, esses dois movimentos são distintos.
O que foi posto alia-se à literatura impressa transportada para o suporte digital (esta atende a um conglomerado de componentes e características da produção e reprodução física). Por outro lado, texto produzido na e para a internet adapta-se a um conteúdo cultivado no seu próprio universo, em suas comunidades virtuais: valores éticos, morais, temas recorrentes na lógica de relação estabelecida nas e pelas comunidades virtuais, modos de escrita (relacionados ao próprio estilo pessoal de construção) inspirados e influenciados, deixando espaço para foma de narrativa costumeiramente comum, dentre outros aspectos.
O texto produzido na e para a internet, numa percepção geral, busca atender a uma demanda de público cativo, que não só consome como compartilha e integra o universo consumidor, para os quais alguns gêneros estão em pauta em detrimento de outros; existe, portanto, uma forma de se expressar própria da produção digital. Entre o que foi produzido para ela e o que está nela, podemos encontrar a distinção entre o que chamam de “leitura formal” e “leitura digital”, contudo é um erro colocá-las desconectadas entre si. Uma leitura digital pode ser formal.
Percebemos, então, que não se trata de uma simples diferença quanto ao modo de ler, quanto ao conteúdo de uma leitura, mas aqui a questão material (ou seja: o meio da produção) altera a completude do fenômeno, da produção ao recebimento. Ler um livro físico gera uma relação distinta, para além do tradicional cheiro das folhas, do objeto fixo na mão do leitor, do “afeto” pelo livro físico etc, bem como produzir um texto segue as especificidades do suporte onde será publicado e onde foi escrito.
Fato, vale lembrar, os limites do potencial da leitura e escrita digital quando anotamos o seguinte dado: embora crescente, o acesso à internet no Brasil ainda não é universal, pois apenas sete em cada dez casas estão conectadas ao serviço de internet, segundo dados do IBGE divulgados pelo portal R7, sendo a região Nordeste com menor o índice de acesso, terra de grandes nomes da literatura nacional. Inegável afirmar o movimento histórico de inovação quanto ao advento da leitura digital e da escrita digital, cada qual formatando uma relação social, cultura e política distinta ao tradicional livro físico.
Os dois suportes prosseguem, sem dúvida, cumprindo papéis específicos. Precisamos, acima de tudo, atenção quanto à qualidade do material lido, avançando para além de uma competição de páginas: quem lê muito, às pressas, esquece a sutil delicadeza da linguagem escrita, pois um mínimo detalhe merece apreciação.
Perceba: alguns temas trabalhados ao longo das narrativas textuais suscitam discussões longas. Permita-me citar, aqui, o caso do meu novo livro, Igreja da Vila. A morte de um vereador, cujo nome familiar é influente na sociedade local, derruba a já ameaçada estabilidade social responsável por organizar a Vila São José de Assunção.
A vida cotidiana é alterada substancialmente. Para um leitor apressado, talvez esta morte seja apenas mais uma dentre outras fatalidades. Para um leitor analítico, o falecido terá muito a revelar, apesar do fatal fim.
Victhor Fabiano, 22. é sociólogo e escritor, autor de Igreja da Vila e outros títulos
0 comentários:
Enviar um comentário