Em dias amenos de verão - digamos, a 25 graus Celsius -, peixe e carne duram apenas algumas horas fora da geladeira. Frutas apodrecem em poucos dias e cenouras, com sorte, talvez sobrevivam por três semanas.
Os primeiros refrigeradores para uso doméstico foram criados na década de 1910. Como a humanidade conseguiu chegar até o século 20 sem geladeiras em casa?
A geladeira pode ser incluída entre os 50 objetos mais importantes da economia moderna. Eis por quê:
Bananas
A geladeira influenciou nosso cotidiano, a forma como trabalhamos, a nossa saúde e, claro, a forma como nos alimentamos. Para termos uma medida do poder transformador dessa tecnologia, voltemos à década de 1870.
Um marinheiro americano chamado Lorenzo Dow Baker - que mais tarde cofundaria a poderosa empresa de alimentos United Fruit Company - retornava de uma viagem de barco à América do Sul quando a embarcação apresentou problemas.
Baker fez uma parada de emergência na Jamaica. Com dinheiro no bolso, decidiu comprar bananas para revendê-las na Nova Inglaterra, nordeste dos Estados Unidos, onde vivia. Ele sabia que o investimento era arriscado: se demorasse para chegar em casa, as bananas apodreceriam.
No final, a aposta deu certo. Baker vendeu as frutas, fez um bom lucro e voltou ao Caribe para buscar mais. As bananas haviam se tornaram um alimento muito desejado em cidades como Boston e Nova York.
No entanto, esse era um negócio arriscado. A vida útil das frutas era quase equivalente à duração da viagem. Quando chegavam à costa americana, já estavam maduras demais para sobreviver a jornadas adicionais no interior do país. Se fosse possível mantê-las sob temperaturas mais baixas durante o transporte, amadureceriam mais devagar - e alcançariam um mercado maior.
A solução? Navios refrigerados.
Comércio de carnes
Dois anos antes de Baker descobrir o ouro das bananas, o governo argentino ofereceu um prêmio a quem inventasse uma forma de refrigerar a carne para que o alimento pudesse ser exportado.
Desde meados do século 18, cientistas sabiam como produzir baixas temperaturas artificialmente. No entanto, ainda não sabiam como aplicar esse conhecimento comercialmente.
Em 1876, o engenheiro francês Charles Tellier instalou um sistema de refrigeração em um navio - Le Frigorifique -, encheu a embarcação com carne e velejou até Buenos Aires. Depois de 105 dias no mar, a carne chegou em boas condições.
O jornal argentino La liberté celebrou: "Mil vivas para as revoluções da ciência e do capital!".
Assim, tiveram início as exportações de carne da Argentina. Em 1902, havia 460 navios refrigerados navegando pelos mares do planeta.
'Cadeia gelada'
Nesse meio tempo, em Cincinnati, nos Estados Unidos, um jovem órfão e negro começava sua vida.
Ele abandonara a escola aos 12 anos, arranjara um emprego de varredor em uma oficina de carros e, aos poucos, aprendera o ofício de mecânico.
Frederick McKinley Jones não sabia, mas um dia se tornaria um prolífico inventor.
Em 1938, trabalhava como engenheiro de som quando um amigo de seu chefe, proprietário de uma frota de caminhões, reclamou das dificuldades de se transportar produtos perecíveis por terra.
Os refrigeradores usados em navios não suportavam a vibração do transporte por terra. Como resultado, caminhões tinham de ser abastecidos com gelo, e empresas tinham de torcer para que o gelo não derretesse antes de o veículo chegar a seu destino.
Será que Jones, inteligente, autodidata, poderia conseguir a solução para esse problema? Sim, foi a resposta. E o resultado foi a fundação de uma nova empresa, a Thermo King. A partir desse momento, criou-se a cadeia global de suprimento que mantém alimentos e outros produtos perecíveis sob temperaturas controladas.
Revolução na medicina
Essa "cadeia gelada" revolucionou a saúde. Durante a Segunda Guerra Mundial, as unidades portáteis de refrigeração inventadas por Jones conservavam sangue e remédios para soldados feridos.
Hoje, essa tecnologia impede que vacinas se deteriorem - pelo menos até chegarem a regiões remotas e pobres, onde não há rede elétrica. Mas vem vindo aí novas invenções para resolver também esse problema.
Revolução no cotidiano
Os refrigeradores ampliaram as opções alimentares da população e, portanto, melhoraram sua nutrição. Eles também permitiram o surgimento dos supermercados.
Com geladeiras em casa, não é mais necessário comprar alimentos - e cozinhá-los - todos os dias. Isso liberou as mulheres, que agora podiam, por exemplo, trabalhar fora. O que, por sua vez, transformou o mercado de trabalho.
À medida que países de baixa renda ficam mais ricos, geladeiras estão entre os primeiros produtos que as pessoas compram.
Na China, levou apenas uma década para que a proporção de lares com geladeiras crescesse de 25% do total de domicílios para quase 90%.
Lógica econômica
A "cadeia gelada" permitiu, por fim, que a lógica da especialização e do comércio fosse aplicada também aos alimentos perecíveis.
Sim, você pode cultivar vagem na França - mas talvez seja melhor importá-la de Uganda. Condições diferentes de cultivo significam que práticas como essa podem fazer mais sentido do ponto de vista ambiental e econômico.
Por exemplo, um estudo concluiu que, no que diz respeito ao meio ambiente, é melhor cultivar tomates na Espanha e transportá-los para a Suécia do que cultivá-los na Suécia.
Outro concluiu que criar carneiros na Nova Zelândia e depois exportá-los para a Inglaterra gera menos carbono do que criar carneiros na Inglaterra.
A validade desses estudos pode ser questionada. Ainda assim, nenhuma dessas ideias estaria em discussão se a tecnologia da refrigeração não tivesse sido inventada.
*Tim Harford, economista e jornalista britânico, é colunista do jornal Financial Times. A reportagem acima é parte da série 50 Things That Made the Modern Economy, transmitida pelo Serviço Mundial da BBC
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