O grande desafio do século XXI para metrópoles com milhões de habitantes é o processo de repensar o uso de seu espaço e garantir que moradores consigam se locomover de forma cada vez mais eficiente, com menos intermediação. Essa é uma forma contornar o desenvolvimento caótico de muitos desses ambientes. E se a iniciativa pública é lenta, a tecnologia ajuda a todos a adotar uma série de soluções em períodos de tempo muitíssimo menores.
O desenvolvimento tecnológico explosivo iniciado no final dos anos 80, resultou em uma série de iniciativas que mudaram radicalmente como cada habitante entende o processo de mobilidade urbana.
Um dos exemplos mais comuns é o GPS, algo hoje considerado corriqueiro. Criado como um sistema militar de precisão no posicionamento global no final dos anos 70, se tornou gratuito e também civil na década de 90, embora permaneça operado pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos. Sua integração a smartphones e apps de mapas evoluiu como motoristas e pedestres utilizam vias públicas, sistemas de transporte público e particular e até o entendimento de como a cidade funciona.
A adoção do GPS para o grande público foi suficiente para uma grande melhora na navegação, para uma maior eficiência e segurança das viagens de carro, e até uma grande transformação no impacto dos congestionamentos — a exemplo do Waze, criado em 2008, que permitiu que pessoas sem muita experiência se tornassem motoristas de serviços como o Uber e 99.
Aprendendo com os dados
Mais importante até que a tecnologia em si e seus usos pelo público, são os dados gerados pelo uso contínuo de milhões de pessoas. É o que aponta o professor Fabio Kon, do Instituto de Matemática e Estatística da USP e coordenador do projeto Internet do Futuro para Cidades Inteligentes.
— Pela primeira vez na história, temos informações detalhadas da mobilidade de milhões de pessoas de uma grande cidade como São Paulo. Utilizando técnicas avançadas da Ciência da Computação, é possível analisar essas grandes quantidades de dados e extrair modelos de como a mobilidade funciona na cidade — afirma Kon.
Para ele, cabe aos pesquisadores encontrar uma forma de aplicar esses dados em melhorias concretas na urbanização de uma grande metrópole.
— A partir desses modelos é possível traçar melhores linhas de ônibus, definir onde deveriam ser construídos novos equipamentos urbanos; corredores de ônibus, ciclovias, linhas de metrô, por exemplo; de forma a diminuir o tempo de deslocamento da população e diminuir o impacto ambiental da mobilidade. Além disso, é possível construir novos aplicativos para o cidadão comum e sistemas de gestão para as prefeituras de forma a elaborar políticas públicas mais sensatas, baseadas em ciência e não em marketing político — completa o pesquisador.
Em outras palavras, é preciso que diferentes setores da sociedade contribuam para um melhor aproveitamento da explosão tecnológica que todos estão testemunhando.
A própria plataforma onde o professor Fabio Kon trabalha, a InterSCity, busca desenvolver soluções mais abertas para problemas contemporâneos de mobilidade. Ao invés de apps prontos, um serviço que permite a comunicação entre aplicações diferentes.
Um exemplo dado por Arthur Del Esposte — aluno de mestrado cujo projeto InterSCity foi premiado em junho na Conferência Internacional de Cidades Inteligentes, na cidade de Porto, Portugal — foi colher dados de atendimentos em unidades de saúde do SUS em São Paulo para saber quão bem distribuídos estavam os equipamentos e profissionais e facilitar deslocamentos de pacientes.
— A ideia foi verificar quão bem os equipamentos da cidade estão alocados. Neste caso, notamos que uma unidade de saúde dispõe de uma determinada especialidade médica, quando a maioria dos pacientes que precisam dessa especialidade estão do outro lado da cidade, então faria mais sentido aproximá-la dessas pessoas — afirmou Del Esposte no site da USP, após ser premiado.
Assim como diversos projetos desenvolvidos em universidades públicas, o InterSCity utiliza software livre, o que permite que usuários em todo o mundo contribuam para o desenvolvimento dele e tenham acesso a dados compartilhados.
De forma diferente, outros apps criados por startups criam soluções fechadas que oferecem novas soluções ao público, principalmente em transportes e localização.
O app Zumpy funciona para usuários compartilharem caronas entre si em carros particulares. Nele, qualquer um pode se cadastrar como motorista ou pedestre, informar suas rotas mais comuns, assim como horários em que as percorre. O aplicativo, então, mostra amigos do Facebook com rotas similares ou sugere pessoas com perfis parecidos que estejam fora do círculo social.
É possível também aplicar filtros de segurança, como limitar as buscas em grupos específicos de usuários, como do trabalho ou de eventos futuros. Caso o caronista opte por viagens cobradas, o usuário que a requisitou paga cerca de R$ 5 por viagens de seis a oito quilômetros e o dinheiro vai todo para o dono do carro na moeda do aplicativo — Zmoney —, que pode ser usada para abastecer o carro, comprar ingressos de casas noturnas, de jogos de futebol ou até em tratamentos de beleza.
O bancário e gestor de imóveis Wagner Cabanno, 37 anos, que mora na região metropolitana de Belém, relata que o Zumpy ajudou muito na diminuição de seus gastos com combustíveis.
— Minhas despesas com combustível, que eram de R$ 500, baixaram mais de 20% só com o uso do app. O Zumpy tem uma série de funcionalidades muito boas, como escolher entre caronas pagas e gratuitas, e ainda ter acesso ao perfil de quem dou carona.
A ideia, segundo o idealizador do aplicativo, o empresário André Andrade, não é apenas tirar os carros da rua, mas promover a solidariedade entre os cidadãos, além de diminuir os custos de ter um veículo. A startup, que começou em Belo Horizonte, promoveu a expansão do serviço para outras cidades, como Sorocaba, Brasília e Curitiba.
— O aplicativo Zumpy tem o diferencial peculiar de ser não lucrativo, o que pode ser observado na possibilidade de oferecer caronas gratuitas. Essa função pode ajudar a evitar polêmicas com profissionais de transporte e ainda deixa a cidade com uma solução inteligente e ecológica que pensa a mobilidade urbana a partir da solidariedade entre os particulares — afirma Cabanno.
Além de promover a integração entre motoristas e cidadãos, existem aplicativos que facilitam o uso do transporte público. O Moovit, presente em mais de 1.500 cidades de 77 países, é um app israelense que permite planejar viagens em diferentes modais, inclusive com tarifas de cada serviço.
O aplicativo funciona de forma similar ao Google Maps e não exige cadastro: basta liberar o acesso ao GPS para que qualquer um consiga planejar suas viagens. Além de mostrar rotas, o app ensina onde saltar e ver que tipo de estabelecimento está ao redor da rota escolhida pelo usuário.
Para tudo isso funcionar com todo seu potencial, é necessária uma vasta mudança na forma como todos encaram a eficiência tecnológica.
— Mas antes de tudo, é preciso uma mudança cultural na população, empresariado e políticos para que eles entendam que Educação, Pesquisa Avançada e Ciência são fundamentais para que o país entre no século 21. Sem a colaboração de nossos cientistas e de nossas universidades de ponta com os governos e as empresas, estaremos condenados a produzir tecnologia ultrapassada e a importar todas as inovações — afirma o professor Fabio Kon.
Mais do que isso, é preciso visão para incentivar pesquisas e criar apps com o objetivo até de melhorar a gestão pública — “tudo baseado em ciência e não em marketing político”, completa Kon.
0 comentários:
Enviar um comentário