02/11/2017

Brasileira vence concurso de doutorados contados em videoclipes da revista Science

Tese da pesquisadora trata de método de detecção de DNA em cenas de crimes
Tese da pesquisadora trata de método de detecção de DNA em cenas de crimes BBC BRASIL

A pernambucana Natália Oliveira foi uma das vencedoras de um concurso da revista Science, uma das mais importantes publicações da área do mundo, que pediu a cientistas que explicassem suas teses de doutorado em videoclipes dançantes.

A brasileira ganhou na categoria Química e foi eleita a "escolha do público". Seu vídeo foi de longe o mais visto dentre os 12 finalistas da competição, com 78% de todas as visualizações.

"É uma honra. Consegui mostrar que o Brasil consegue se destacar internacionalmente na arte e na ciência, e é mais especial ainda por ter o nome da instituição que me acolheu representado em um concurso da Science", diz à BBC Brasil a pesquisadora de 28 anos, doutora em Biologia Aplicada à Saúde pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), onde agora cursa um pós-doutorado.

Nancy Scherich, da Universidade da Califórnia, foi a grande vencedora do concurso com seu trabalho em topologia, uma área da matemática de estudos sobre propriedades da geometria.

O concurso "Dance seu PhD" existe há dez anos e foi criado pela Science e a Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS, na sigla em inglês) para desafiar pesquisadores a explicarem seus doutorados por meio da dança. A ideia é divertir e informar ao mesmo tempo, criando uma ponte entre os laboratórios e o público. Vale qualquer estilo, contanto que o autor participe.

A cientista brasileira fez isso misturando referências à série CSI, a bailes de drag queens em Nova York na década de 1980 e usando as ruas de Recife e seu laboratório como cenário para, ao longo de pouco mais de cinco minutos, explicar seu trabalho sobre o uso de biossensores para identificar fluidos corporais em cenas de crimes, mesmo que o autor tenha tentado apagar seus rastros com materiais de limpeza. Desta forma, tornou-se a a única brasileira entre os finalistas deste ano.

"Podem estranhar e dizer que isso não é um trabalho sério, mas é bom quebrar esse paradigma. Cientistas buscam resolver problemas do mundo. Então, quanto mais gente entender e se engajar com a ciência, melhor. Especialmente agora que a área brasileira passa por um momento difícil", diz Natália, em referência aos cortes orçamentários no setor e à busca, de cientistas proeminentes, por oportunidades fora do país.

Biossensores

A sugestão de participar do concurso veio de um professor que sabia do envolvimento da cientista com teatro. Ela comprou a ideia e levou para o grupo de dança do qual participa desde o início do ano, o Vogue 4 Recife.

O inspiração da coreografia vem do vogue, um estilo de dança criado em bailes de drag queens no Harlem, em Nova York, que teve seu auge em meados dos 1980 e início dos anos 1990 e foi tema do documentário Paris is Burning (1990).

Natália diz que a ciência forense sempre despertou seu interesse
Natália diz que a ciência forense sempre despertou seu interesse BBC BRASIL

O clipe traz Natália e seus amigos fazendo passos de dança que tornaram-se famosos em todo o mundo pelas mãos da Madonna, com a música - e clipe - Vogue.

"A ideia era explorar a representatividade das pessoas que fundaram essa cultura, como as drag queens, mulheres trans, gays negras e latinas e as travestis", conta ela. E, ao mesmo tempo, explicar sua tese de doutorado: "Funciona como o aparelho que o diabético usa para medir o nível de açúcar no sangue, mas para fluidos biológicos em locais de crimes".

Ciência forense

Natália já havia trabalhado com essa tecnologia em seu mestrado, usando biossensores para detectar o vírus da dengue. O passo seguinte foi aplicar a técnica às ciências forenses, uma área que sempre despertou seu interesse. Por isso o clipe faz referências à série americana CSI, em que uma equipe de peritos busca desvendar crimes.

Cientista pernambucana diz que iniciativas assim ajuam a aproximar o público da ciência
Cientista pernambucana diz que iniciativas assim ajuam a aproximar o público da ciência BBC BRASIL

"Sempre fui muito fã da série, mas depois, quanto mais conhecia sobre a ciência forense, mais via que o programa retratava as coisas de uma forma que não era real", diz Natália, que deixou para trás a ciência forense da ficção para se dedicar à do mundo real.

"Há uma carência do mercado, porque muitos testes desse tipo não conseguem detectar materiais biológicos depois que a cena do crime é limpa."

Natália trabalhou por dois meses na elaboração do clipe e da coreografia, o gravou ao longo de duas tardes e levou uma semana para finalizá-lo.

O vencedor de cada uma das quatro categorias – Química, Biologia, Física e Ciências Sociais – foi eleito pelo júri com base em critérios científicos, artísticos e na união desses dois aspectos. Receberão um prêmio de US$ 500 (R$ 1.620). Dentre eles, foi determinado o grande ganhador, que receberá um prêmio adicional de US$ 500 e participará da conferência anual da AAAS nos Estados Unidos.

'Cortes significativos'

Clipe foi finalista de concurso realizado pela revista Science há dez anos
Clipe foi finalista de concurso realizado pela revista Science há dez anos BBC BRASIL

"(O concurso) é bom para divulgar o trabalho que fazemos aqui. A ciência tem uma linguagem bem técnica, e isso pode ajudar a torná-la mais acessível", diz a cientista pernambucana.

Natália conta também que "cortes significativos" em financiamentos de agências de incentivo como CNPq e Capes fizeram o Laboratório e Imunopatologia Keiko Azumi, da UFPE, onde ela fez suas pesquisas, abrir um edital para doações privadas para garantir a continuidade dos trabalhos.

"Muitos cientistas e professores estão fechando laboratórios por causa do corte de programas de apoio e financiamento", afirma. "A maioria das instituições de ensino superior estão passando por isso hoje. Quem dependia de recursos públicos foi diretamente afetado pelos recentes cortes em ciência e tecnologia. Temos de mudar essa ideia de que a ciência não é disponível e acessível ao público. Só assim as pessoas vão entender o que fazemos e nos apoiar ainda mais neste momento difícil."

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