27/08/2018

Brasileiros criam protótipo de vacina contra meningite e zika 

Professor Marcelo Lancellotti, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas
Professor Marcelo Lancellotti, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas Jornal da Unicamp

Pesquisadores da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da Unicamp desenvolveram o protótipo de uma vacina com capacidade para imunizar contra duas doenças: meningite meningocócica e Zika Vírus.

Os testes, realizados inicialmente in vitro e posteriormente em modelo animal, obtiveram resultados altamente positivos, dando origem a um pedido de registro de patente. O estudo rendeu artigo publicado na Scientific Reports, importante revista que pertence ao Grupo Nature.

A pesquisa foi conduzida pela então estudante de graduação da FCF, Paula Martins, sob a orientação do professor Marcelo Lancellotti. O trabalho contou, ainda, com a colaboração de outros pesquisadores da Unicamp, mais especificamente do Instituto de Biologia (IB), Instituto de Química (IQ) e de dois outros laboratórios da própria FCF. “A Rede Zika Unicamp foi fundamental para que pudéssemos realizar esse projeto, pois foi por meio dela que tivemos a oportunidade de dar início a parcerias com colegas de outras áreas”, explica Lancellotti.

De acordo com o docente, estudos com essas características exigem uma abordagem multidisciplinar, dado que envolvem problemas de diversas ordens. “Uma área do conhecimento não seria capaz, sozinha, de encontrar respostas a todas as nossas dúvidas”, afirma. Um dado curioso sobre a pesquisa diz respeito à forma como surgiu a ideia do método que seria usado no desenvolvimento do protótipo da vacina. Lancellotti conta que estava em casa, lavando louça, quando observou duas bolhas de sabão se juntando.

Naquele momento, o docente considerou que algo parecido poderia ser tentando em relação ao meningococo causador da meningite e o Zika Vírus, dado que ambos apresentam estruturas químicas semelhantes. “O meningococo produz uma série de vesículas extremamente pequenas, conhecidas pela sigla OMV, que são parecidas com o que a gente conhece como lipossomo. Ou seja, são semelhantes às nossas membranas celulares. O Zika Vírus também apresenta uma membrana constituída por células do hospedeiro, com proteínas deste na superfície. Minha ideia foi juntar as duas estruturas, para verificar o que poderia acontecer”, relata Lancellotti.

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A técnica escolhida para promover essa junção foi o cisalhamento, que consiste na agitação [aumento da energia cinética] como forma de promover a adjuvância das duas estruturas. “Obtivemos êxito, mas não sabíamos qual seria o resultado desse processo. Foi algo totalmente inovador. Depois de algum tempo, ao analisarmos a fusão, constatamos que as estruturas, agora fundidas, aumentavam de tamanho. Algo estava acontecendo, embora não tivéssemos uma ideia exata do que era”, admite o docente da FCF.

O passo seguinte foi usar a estrutura obtida com a fusão para imunizar camundongos. “O que nós vimos foi que os animais desenvolveram anticorpos contra a OMV original da bactéria, bem como contra o Zika Vírus. Vale assinalar que nós só observamos a resposta imunológica. Não verificamos a reposta contra as doenças, uma vez que os camundongos não se infectam com Zika nem com a meningite. De todo modo, constatamos que essa resposta imunológica não somente era alta contra os dois patógenos, como não causava qualquer comprometimento do DNA recombinante”, detalha Paula Martins.

Amostras da vacina desenvolvida na Unicamp
Amostras da vacina desenvolvida na Unicamp Jornal da Unicamp

Na técnica que utiliza o DNA recombinante, prossegue ela, o gene do Zika Vírus é removido e em seguida introduzido numa bactéria. Ocorre que esse processo é bastante trabalhoso, custoso e demorado, principalmente no momento de escalonar a produção. Isso acontece porque as normas brasileiras e internacionais impõem dificuldades logísticas ao método.

“A metodologia que desenvolvemos é mais simples e barata. Agora, precisamos avançar com a pesquisa. A próxima etapa corresponderá aos testes de escalonamento, para saber se conseguiremos produzir a vacina em escala industrial. Também precisamos entender melhor o mecanismo de funcionamento, o que já está sendo feito em trabalhos conduzidos por pós-graduandos”, informa a pesquisadora.

O professor Lancellotti observa, ainda, que o protótipo desenvolvido na FCF, diferentemente de outras vacinas, não usa ovos embrionários na sua preparação. O método é completamente celular. “Isso evita problemas com alergias e efeitos colaterais e obviamente barateia o processo. Nossa vacina utiliza o vírus morto/atenuado. Ainda não conseguimos separar totalmente a partícula viral no processo de fusão, mas acreditamos que alcançaremos esse objetivo com o aprimoramento da técnica. É preciso lembrar que a vacina ainda está longe de poder ser usada pela população, mas o protótipo tem se mostrado muito promissor”, considera o professor.

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Outro aspecto ressaltado por Lancellotti refere-se à tradição da Unicamp de associar o ensino à pesquisa como estratégia de conferir uma formação mais sólida a seus alunos. “Isso é muito importante, e o trabalho da Paula demonstra o acerto desse modelo. Ao colocarmos precocemente o estudante em contato com o método cientifico, nós qualificamos ainda mais a sua preparação. No caso específico do meu laboratório, essa formação está diretamente associada à aplicação. Não queremos que nossos estudos fiquem apenas na esfera acadêmica. Nosso propósito é fazer com que o conhecimento gere produtos e processos que tragam benefício à sociedade”, define o docente.

Paula Martins concorda com Lancellotti e afirma que o contato precoce com a pesquisa, por meio do programa de Iniciação Científica, realmente foi um diferencial na sua formação. “Eu fui para o laboratório antes mesmo de assistir às aulas do Lancellotti. Hoje, trabalhando na indústria, eu vejo que muitos dos meus colegas não tiveram a mesma vivência que eu tive. Brevemente, pretendo voltar à Unicamp e dar continuidade aos estudos na pós-graduação. Penso que o importante não é só fazer algo, mas compreender o caminho percorrido para fazer. Isso é muito importante e gratificante”.

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