Por Marcio Bueno
É surpreendente o que nós encontramos no dia-a-dia do mundo corporativo. A falta de coerência entre o que se fala e o que se faz é assustadora. Acredito que todos poderíamos dar uma lista de situações onde o chefe ou os colegas disseram uma coisa e fizeram outra, ou pior ainda, a própria cultura da empresa contrariou na prática aquele quadro obsoleto de missão, visão e valores na recepção da empresa.
Quantas vezes vimos o auditor de uma certificação qualquer sair pela porta e a empresa continuar trabalhando “como sempre”? Embora isso desanime, desmotive e seja frustrante, não é sobre isso que vamos falar.
O Transtorno Dissociativo Corporativo ao que eu me refiro é a incapacidade das empresas entenderem o impacto de suas ações na sociedade. Vou explicar com um exemplo:
“Eu? Eu não tive nada a ver com isso”
TODAS as empresas sofreram com a greve geral dos caminhoneiros de 2018. Pois é. Eu já tive a oportunidade de perguntar a vários empresários e diretores de compras. E qual foi a sua participação no que aconteceu? As reações variaram entre surpresa e indignação: “Eu? Eu não tive nada a ver com isso”. Tivemos algumas respostas objetivas: o problema é a dolarização do petróleo nacional, o alto imposto do frete e o do petróleo, a má gestão do governo no momento da crise. Outras respostas foram as de sempre, a culpa da inflação, do universo, do lobo mau, do boitatá etc. Mas em todos os casos, a culpa sempre é de outro.
Fiz outra pergunta: “Quantas vezes vocês, negociando com empresas logísticas (prática salutar), alcançaram o preço objetivo de compra e continuaram pressionando para ver se conseguiam um desconto adicional”? Silêncio administrativo e olhar de “não fui eu”.
Pois é, esses executivos bateram suas metas (ou as superaram), ganharam dinheiro, alguns foram promovidos pela “excelente” gestão dos recursos e redução de custos. Automaticamente ao serem estranguladas, as empresas de logísticas fazem o mesmo com os caminhoneiros (a maioria terceirizados).
Depois de vários anos atuando desta forma, as consequências chegaram. As pessoas que criaram o problema (ou ao menos grande parte deles) são as mesmas que reclamam da situação e, pior, são incapazes de relacionar uma coisa com outra.
Quantas grandes empresas têm reclamado da queda na qualidade de serviço de seus fornecedores. Essa reclamação, em muitos casos está totalmente justificada, porém não percebem que ela é feita minutos após à reunião onde se decidiu criar uma LPU (Lista Unitária de Preços) que exige prazos de entrega agressivos, estoques, entregas em todo o país, porém nenhum compromisso de compra, nem definição de quantos produtos irão para cada estado.
Há dois anos atrás eu dei uma palestra, ia doar o valor cobrado a uma entidade que trata crianças com lesão cerebral, porém eu estava começando e os valores ainda eram baixos e só daria para comprar duas cadeiras de roda. Então liguei para alguns amigos que me ajudaram a completar o dinheiro e comprar uma scooter. Fiz uma rifa e multipliquei o dinheiro por 4x. Eu ofereci a rifa para uma conhecida que trabalhava no departamento de RH de uma grande multinacional. Ela ficou positivamente surpresa, elogiou a causa dizendo que era fantástico ajudar quem precisa, principalmente pessoas com necessidades especiais e comprou a rifa.
Poucas semanas depois, em uma reunião com o grupo de análise de risco de negócio, ela comentou ao diretor geral da empresa que a empresa tinha a obrigação legal de contratar pessoas com necessidades especiais, segundo ela, diante do alto custo para contratar e a dificuldade de encontrar as pessoas com o perfil adequado, ela estava fazendo um estudo para saber o que era melhor para empresa: Contratar pessoas com necessidades especiais ou pagar a multa para o governo.
Ou seja, a mesma pessoa, que em sua vida privada acha louvável a iniciativa de ajudar crianças com lesão cerebral quando passa pela porta da empresa, avalia pagar a multa para não ter trabalho para integrar pessoas com necessidades especiais.
Eu não tive a oportunidade de falar com ela sobre isso, mas provavelmente ela não relacione uma coisa com outra.
Ninguém quer a antena ao lado de casa
A verdade é que todo mundo quer um bom sinal de celular, mas ninguém quer a antena ao lado de casa. Assim não é possível. Da mesma forma, todo mundo quer viver em uma sociedade melhor, porém, em muitas ocasiões, decisões pessoais e profissionais nos levam no sentido oposto.
As pessoas e empresas dissociam suas decisões corporativas do seu entorno e não enxergam (ou não querem enxergar) seu impacto na sociedade e no meio ambiente. Se auto enganam e dormem tranquilas dizendo que cumprem a lei, como o caso da pessoa de RH. Pagar a multa está previsto em lei, o que não significa que seja humano e ético.
O astrofísico canadense Hubert Reeves disse: “O Homem é a mais insana das espécies. Adora um Deus invisível e mata a Natureza visível… sem perceber que a Natureza que ele mata é o Deus invisível que adora”.
Este é o quarto motivo para uma empresa ser humanizada: é possível a coexistência de um mundo fraterno e próspero, a escolha é individual e o resultado coletivo.
Marcio Bueno assina a coluna “Tecno-Humanização”, no Inova360, parceiro do portal R7. É Tecno-Humanista, fundador da BE&SK (www.bensk.net) e criador do conceito de Tecno-Humanização.
linkedin.com/in/marcio-luiz-bueno-de-melo-∴-94a7066
0 comentários:
Enviar um comentário