Um ancestral do homem moderno sobreviveu até relativamente pouco tempo atrás no sudeste da Ásia. É o que mostra um novo estudo, publicado na revista científica Nature.
O Homo erectus evoluiu há cerca de dois milhões de anos - e foi a primeira espécie humana a caminhar erguida sobre os dois pés.
As novas evidências indicam que ele viveu até pouco mais de 100 mil anos atrás, na Ilha de Java, na Indonésia, muito tempo depois de ter desaparecido de outros lugares.
Isso significa que ele ainda existia quando a nossa espécie já vagava pela Terra.
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Na década de 1930, 12 partes de crânios e dois ossos de pernas de Homo erectus foram encontrados em escavações realizadas 20 metros acima do rio Solo, em Ngandong, no centro de Java.
Nas décadas seguintes, os pesquisadores tentaram datar os fósseis. Mas tiveram dificuldade, uma vez que a geologia da região é complexa, e os detalhes das escavações originais acabaram se perdendo.
Nos anos 1990, uma equipe chegou inesperadamente à conclusão de que datariam de 53 mil a 27 mil anos atrás. Isso levantou a possibilidade de o homem moderno ter sido "contemporâneo" do Homo erectus na ilha.
Agora, pesquisadores liderados pelo professor Russell Ciochon, da Universidade de Iowa, nos EUA, realizaram novas escavações ao longo do rio Solo, analisando novamente o sítio arqueológico e seus arredores.
E forneceram o que eles descrevem como uma idade definitiva para o chamado leito ósseo - entre 117 mil e 108 mil anos. É o registro mais recente que se tem conhecimento do Homo erectus em qualquer parte do mundo.
O professor Chris Stringer, líder de pesquisa em evolução humana no Museu de História Natural de Londres, que não participou do estudo, comentou a descoberta.
"Este é um estudo muito abrangente no âmbito de deposição dos famosos crânios parciais e da tíbia do Homo erectus de Ngandong, e os os autores constroem um forte argumento de que esses indivíduos morreram e foram levados pela água para os depósitos sedimentares do rio Solo, há cerca de 112 mil anos."
"É uma idade muito jovem para esses fósseis de Homo erectus de aparência primitiva, e determina que as espécies continuaram em Java por muito mais de um milhão de anos."
Os pesquisadores acreditam que os restos mortais em questão representam um evento de morte em massa, possivelmente resultado de um lahar rio acima. Um lahar - palavra de origem javanesa - é a lama que pode descer pela encosta de um vulcão durante tempestades fortes ou após uma erupção vulcânica. Esses eventos violentos varrem qualquer coisa que esteja no caminho.
Anteriormente, Frank Huffman, um membro da equipe, da Universidade do Texas, nos EUA, havia rastreado e entrado em contato com descendentes dos pesquisadores holandeses que escavaram os restos mortais do Homo erectus na década de 1930.
Os familiares deles forneceram fotografias da escavação original, mapas e cadernos de anotações. Huffman conseguiu acabar com grande parte da incerteza que havia dificultado as tentativas anteriores de entender o sítio arqueológico.
"Ele foi capaz de nos dizer exatamente onde cavar", declarou Ciochon, se referindo ao pesquisador da Universidade do Texas.
Ciochon e seus colegas escavaram parte de uma área de reserva intocada, abandonada pela equipe holandesa na década de 1930. Munida dos registros das escavações originais, a equipe conseguiu identificar o leito ósseo de onde os fósseis do Homo erectus vieram e datá-lo.
Em outras ilhas do sudeste Asiático, o Homo erectus parece ter evoluído para formas menores - como o Homo floresiensis (o "Hobbit"), em Flores, e o Homo luzonensis, nas Filipinas. Provavelmente, isso aconteceu porque havia recursos alimentares limitados nessas ilhas. Mas em Java, parece que havia comida suficiente para o Homo erectus manter seu tamanho corporal original.
Tudo indica que as espécies de Ngandong tinham entre 1,50 e 1,80 metros de altura - semelhante às que viveram na África e em outros lugares da Eurásia.
As descobertas reforçam ainda mais a mudança de pensamento pela qual essa área de estudo passou ao longo das décadas. Costumávamos pensar na evolução humana como uma progressão, com uma linha reta que começava nos macacos e chegava até nós.
Hoje em dia, sabemos que as coisas eram muito mais confusas. Este estudo destaca um fato impressionante: muitas espécies que considerávamos estágios de transição nessa "marcha" se sobrepuseram, em alguns casos por centenas de milhares de anos.
Mas por que o Homo erectus sobreviveu mais do que se pensava em Java? Na África, a espécie provavelmente desapareceu há 500 mil anos; na China, há 400 mil anos.
Russell Ciochon acredita que ele provavelmente foi "superado" por outras espécies humanas nos demais lugares, mas a localização da Ilha de Java permitiu que prosperasse isoladamente.
No entanto, os resultados mostram que os fósseis remetem a um período em que as condições ambientais em Java estavam mudando - o que antes eram campos abertos começaram a se transformar em florestas tropicais. E, para o pesquisador, isso marca o momento exato da extinção do Homo erectus na ilha.
Segundo ele, nenhum Homo erectus foi encontrado após esse período - e existe uma lacuna sem atividade humana até o Homo sapiens aparecer em Java há cerca de 39 mil anos. Ciochon acredita que o Homo erectus era muito dependente da savana aberta e inflexível demais para se adaptar à vida em uma floresta tropical.
"O Homo sapiens é a única espécie de hominídeo que vive em uma floresta tropical", explicou. "Acho que isso se deve principalmente aos atributos culturais do Homo sapiens, à habilidade de criar todas essas ferramentas especializadas".
"Quando a flora e fauna da floresta tropical se espalharam por Java, foi o fim do Homo erectus."
Mas Chris Stringer recomenda cautela na análise.
"Os autores argumentam que esta é, portanto, a última ocorrência conhecida da espécie, e que isso indica que não houve sobreposição da espécie com o Homo sapiens em Java, já que o Homo sapiens chegou (na ilha) bem mais tarde."
"Não estou convencido disso, já que outros restos mortais supostamente tardios do Homo erectus de sítios arqueológicos javaneses, como de Ngawi e Sambungmacan, ainda precisam ser propriamente datados e podem ser ainda mais recentes. Por outro lado, eles podem estar correlacionados com a idade dos fósseis de Ngandong, mas esse deve ser o próximo passo da investigação", completa.
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