Cientistas chineses descobriram que ao menos uma espécie de aranha amamenta seus filhotes, de uma maneira muito parecida com os mamíferos, e com uma substância riquíssima em proteína — bastante similar ao leite.
Conforme explicou à BBC News Brasil o pesquisador Zhanqi Chen, do Jardim Botânico Tropical de Xishuangbanna e um dos autores da pesquisa científica — publicada nesta quinta-feira pela revista Science –, a descoberta da aranha que amamenta ocorreu por causa de um comportamento que intrigava os cientistas.
O fato de que, na espécie de aranha saltadora Toxeus magnus, filhotes tendem a ficar muito tempo no mesmo ninho da mãe, mesmo quando já crescidinhos. "Isso é incomum em aranhas saltadoras", afirma Chen.
"Então, levantamos a hipótese de que a mãe poderia fornecer cuidados maternais duradouros", prossegue. A questão, então, passou a ser: se elas fazem isso, como fazem? E por quanto tempo?
Munidos de tais perguntas, os pesquisadores foram à observação. Descobriram que os filhotes da Toxeus magnus não deixam o ninho até a terceira semana de idade. Nessa altura da vida, os bichos já têm o comprimento de 3,5 milímetros — essas aranhas, muito parecidas com formigas, nascem com 0,9 milímetro.
"Por outro lado, em todo esse tempo, a mãe nunca foi observada levando comida (como moscas de fruta) para o ninho", relata o pesquisador. "Isso nos deixou confusos sobre qual seria a fonte de alimentação da prole."
Chen disse que a equipe, então, formulou três possibilidades — de acordo com aquilo que costuma ocorrer no reino animal. A alimentação poderia ser provida via regurgitação, pela mãe. Ou os filhotes de aranha poderiam ingerir ovos tróficos — ovos não fecundados que são postos justamente para servir de alimento, a exemplo do que ocorre com abelhas e formigas, por exemplo. Ou ainda alimentação fecal. "Entretanto, o registro de observação rejeitou todas essas hipóteses", conta o cientista.
Leite de aranha
Essa interrogação estava literalmente tirando o sono de Chen. Ele contou à reportagem que foi numa madrugada — por volta de 1h30 de uma noite de julho de 2017 — que ele notou algo muito interessante. Um dos filhotes aumentava de tamanho justamente quando estava atrelado ao abdome da mãe. "Era um comportamento muito semelhante ao da amamentação em mamíferos", afirma.
Ciente desse fenômeno, o cientista passou a focar suas análises no misterioso fluido que servia de alimentação para a prole. Percebeu que, tão logo nascem, as aranhinhas primeiro ingerem gotículas do mesmo líquido já depositadas na superfície do ninho. Só mais tarde estavam aptas para conseguir sugar da mãe — pelo mesmo orifício utilizado para a postura dos ovos.
Essa alimentação, constataram os pesquisadores, é a principal fonte de nutrientes dos filhotes até chegarem a cerca de 40 dias de vida, ou seja, praticamente quando atingem a maturidade sexual.
O fluido também foi analisado em laboratório. De acordo com Chen, trata-se de uma substância muito parecida com leite e que contém quase quatro vezes a quantidade de proteína encontrada no leite de vaca.
O que provoca a dúvida: será que um dia essa substância poderá ser utilizada industrialmente?
"Teoricamente, isto tudo é possível, mas acho que ainda estamos muito longe para discutir este assunto. Precisamos esperar até que todos os componentes do leite de aranha sejam claramente analisados", diz Chen. "Talvez, algum dia, no futuro, possamos começar a ter indústrias de leite de aranha por meio de alguns métodos biotécnicos."
Biologia
Os pesquisadores envolvidos do trabalho ressaltam também a importância que a descoberta pode ter no entendimento sobre cuidados parentais na natureza. Afinal, sempre se acreditou que cuidados com a prole até praticamente a vida adulta fossem características mais comuns entre mamíferos.
No caso dos indivíduos de Toxeus magnus, Chen e sua equipe observaram que a mãe não só alimenta os filhotes como também ajuda na proteção e outros cuidados de sobrevivência.
De acordo com a última edição do 'Catálogo Mundial das Aranhas', um compilado taxonômico com 47.868 espécies registradas, a Toxeus magnus é um aracnídeo identificado e descrito pela primeira vez em 1933. É uma aranha saltadora autóctone de Taiwan.
Administrado pela Academia Chinesa de Ciências, o Jardim Botânico Tropical de Xishuangbanna, onde o leite de aranha foi descoberto, é uma instituição que existe desde 1959.
Trata-se de um centro de pesquisas especializado, onde trabalham cerca de 340 cientistas. O Jardim Botânico conta com mais de 13 mil espécies de plantas e animais.
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