Poucas semanas antes de viajar para a Irlanda com o marido, Visage Vijay, de 37 anos, precisa decidir se vai fazer uma aquisição importante durante as férias.
Ela está refletindo se está disposta a pagar US$ 3.000 em sua primeira bolsa Chanel, após ter visto amigos e celebridades usando o acessório em fotos no Instagram.
"Eu tenho essa ideia fixa de ter uma bolsa Chanel, é algo que eu provavelmente vou ter de fazer em breve", afirmou.
"No Instagram, adoro ver bolsas".
Esta não seria a primeira vez que a gerente de segurança de medicamentos, que mora em Toronto, no Canadá, esbanja dinheiro inspirada em postagens no Instagram.
Ela gastou uma quantia semelhante em uma bolsa Prada durante uma viagem à Itália em 2017. Tudo o que ela faz — seja sair para jantar em restaurantes de alta gastronomia ou aulas de estilo para comprar roupas - está ligado de alguma forma com o que ela vê na plataforma de rede social.
"Mesmo que eu veja algo que me interesse em outro lugar, tenho o hábito de checar a hashtag no Instagram para ver o que outras pessoas postaram a respeito", conta Vijay.
"Não é como um anúncio. São pessoas reais fazendo coisas reais. Eu sou influenciada apenas a ver e fazer o que eles estão fazendo, porque parece que elas estão curtindo."
Mas essa satisfação tem um custo. Um estudo recente da Universidade da Califórnia, nos EUA, e da Universidade de Toronto, no Canadá, mostra que as pessoas estão gastando mais e economizando menos porque só veem o que os outros estão consumindo, e não o que estão poupando - e as redes sociais exacerbaram essa concepção.
Isso gera uma percepção equivocada, chamada de viés de visibilidade, que os pesquisadores sugerem estar mudando nossos hábitos de consumo.
O que é o viés de visibilidade?
Um dos autores do estudo, David Hirshleifer, professor da Universidade da Califórnia em Irvine, explica que o viés de visibilidade surge a partir da maneira como interagimos em ambientes sociais. As pessoas tendem a falar sobre as coisas que estão fazendo, diz ele, o que significa que destacamos mais o consumo do que o não consumo.
"Se eu for até a casa de um amigo, eu posso ver ele tomando café em uma xícara barata ou usando roupas que não são caras", diz Hirshleifer.
"Mas se eu der uma olhada [no perfil dele] na rede social, ele pode estar postando sobre um restaurante caro ou uma viagem incrível que fez."
Segundo ele, qualquer tipo de comunicação que não seja de pessoa para pessoa vai criar um viés de visibilidade maior.
Esta concepção tem orientado cada vez mais as tendências de compra, à medida que os meios de comunicação se tornam mais baratos e variados.
"A queda nos custos de comunicação de longa distância, a ascensão da televisão a cabo e do videocassete e, posteriormente, a chegada da internet aumentaram muito a capacidade que os indivíduos têm de observar o consumo dos outros", diz o estudo.
O aumento da consciência sobre o que as outras pessoas estão fazendo não apenas nos faz gastar mais, dizem os especialistas, como também nos leva a suposições equivocadas sobre nossa própria situação financeira e perspectivas de ganhos futuros.
Amplificação
Bing Han, coautor do estudo e professor da Universidade de Toronto, afirma que quando se trata de poupar, as pessoas aceitam dicas de outros indivíduos em suas redes sociais porque consideram suas situações socioeconômicas semelhantes.
"Essa sinalização dos meus 'semelhantes' sobre o que eles pensam em relação ao futuro, aumento dos rendimentos, e as atitudes que eles tomam a respeito, meio que me oferecem algum tipo de pista sobre o meu futuro", diz ele.
Toda vez que você posta nas redes sociais sobre uma experiência ou algo que comprou, tem o potencial de influenciar seus seguidores.
"É o tipo de efeito dominó que leva outras pessoas a fazerem alguma coisa. Não é necessariamente que se sintam pressionadas, é como se elas aprendessem com sua atividade, com seu consumo ", explica.
"Você tem essa crença e sua crença é relevante para elas. Elas meio que adaptam estratégias e comportamentos semelhantes."
Os autores do estudo afirmam que o viés de visibilidade foi ampliado pelas redes sociais, uma vez que a atividade de consumo fica bastante visível.
Stephane Couture, professor assistente de comunicação do Glendon College, da Univesidade de York, no Canadá, explica que a cultura promocional das redes sociais oferece aos usuários uma plataforma para exibir seus gastos.
"O padrão de consumo existia antes das redes sociais: essa ideia de que, se as pessoas ao nosso redor estão consumindo, tendemos a consumir mais. De uma maneira geral, as redes sociais estão apenas ampliando essas tendências", avalia.
Promoção x praticidade
Os autores da pesquisa destacam que o viés de visibilidade pode ajudar a entender por que as taxas de poupança pessoal nos EUA — a quantidade de renda disponível que as pessoas economizam — caíram a partir dos anos 1980.
Naquela época, as taxas giravam em torno de 10%; bem acima dos cerca de 3% registrados em 2007.
Os pesquisadores apontam para uma tendência similar nos países desenvolvidos da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
O relatório mais recente do governo americano mostra que as taxas oscilaram entre 6% e 7% em 2018, embora o endividamento pessoal continue a crescer.
Vijay reconhece que, se não esbanjasse comprando uma bolsa de marca, provavelmente economizaria dinheiro ou usaria para algo mais prático, como reformar sua casa.
"O pensamento às vezes passa pela minha cabeça - que eu não estou sendo prática", diz ela.
"Nossa casa está um pouco velha. Se algo precisar ser consertado, talvez tenhamos de usar nossas economias, em vez de ter o dinheiro disponível."
O gerente financeiro Parth Bhowmick, de 28 anos, que também vive em Toronto, acredita que o Instagram faz com que ele gaste pelo menos mais US$ 150 por mês em comida, porque acaba saindo para jantar de quatro a cinco vezes por semana. Um de seus amigos administra uma conta no Instagram que promove restaurantes.
"Às vezes, entro no feed dele e vejo que ele está em um restaurante chinês. Isso planta uma semente na minha mente de que eu não como comida chinesa há algum tempo. E penso que talvez eu deva comer [comida chinesa]", relata.
Bhowmick conta que o que começou como uma busca por ideias de restaurantes se transformou em um hábito de sair para jantar vários dias por semana com a namorada.
Ele acredita que provavelmente comeria fora menos vezes se não estivesse no Instagram - por isso, tentou reduzir o número de perfis relacionados a restaurantes e comida que segue.
"Eu percebi que isso diminuiu a quantidade de vezes que eu tenho vontade de sair para ir a um restaurante ou experimentar algum prato que não conhecia."
Ainda assim, Bhowmick diz que ficou surpreso ao constatar quanto ele gasta por mês comendo fora.
"Vai acumulando, quando você olha para trás no fim do mês e faz um cálculo do que você gastou..."
"Isso me lembra que eu poderia estar cozinhando e não gastar tanto", avalia.
Vivemos em uma bolha?
Hirshleifer diz que um dos objetivos do estudo era tornar as pessoas mais conscientes sobre seus gastos.
"Os psicólogos descobriram algumas vezes que, se alguém toma consciência de um viés psicológico, isso pode reduzir o viés", explica.
Couture alerta, por sua vez, que as pessoas precisam ter cuidado para não serem enganadas pela bolha da rede social.
"A ideia da bolha é que, como selecionamos nossos amigos nas redes sociais, criamos uma bolha, de modo que só existe a realidade na qual nossos amigos confirmam aquilo em que já acreditamos", diz ele.
Mas quando se trata de gastar e economizar, as pessoas talvez precisem olhar além da "realidade" da rede social, acrescenta.
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