25/11/2018

Conflitos e conversas no WhatsApp vão parar na Justiça

Mensagens podem servir de prova em ações judiciais
Mensagens podem servir de prova em ações judiciais Reprodução

Populares na internet, os emojis são desenhos usados para sintetizar emoções. Embora tenham uso informal, em outros contextos podem até servir de prova em ações judiciais. Em um caso recente em São Paulo, quatro emojis sorridentes se tornaram a prova de que uma adolescente praticou bullying em um grupo de WhatsApp. Este é um entre tantos processos que têm sido abertos nos tribunais para reparação de dano moral cometido no aplicativo de mensagens.

Essa ação de bullying aconteceu em um grupo criado por uma garota de 15 anos para convidar colegas a assistirem a um jogo da Copa do Mundo de 2014. Em certo momento, integrantes começaram a escrever comentários ofensivos sobre um estudante, o que foi acatado pela administradora do grupo, que enviou emojis sorridentes. Pela conduta, foi condenada a pagar indenização de R$ 3 mil. O jornal O Estado de São Paulo procurou a defesa da jovem, mas não teve sucesso.

“Ela foi uma agente (do bullying), emitiu opinião de um jeito codificado, pelos emojis. E também se omitiu. No momento em que o grupo começou a ter uma atitude de agressão contra terceiros, deveria ter fechado ou pedido para cessarem”, diz o advogado da vítima, Helder Pereira. “Ela não tomou nenhuma atitude para coibir o que estava acontecendo, foi omissa ao não tomar uma atitude positiva para cessar o ilícito civil.”

Condenação semelhante envolve a eleição da Associação dos Proprietários em New Ville, condomínio de Santana de Parnaíba, Grande São Paulo. Há três anos, integrantes da chapa de oposição criaram um grupo com mais de cem moradores no qual insinuaram que a diretoria da época estava “levando por fora, e muito” e, ainda, falaram que não eram “idiotas” de achar que uma obra no condomínio teria custado R$ 2 milhões.

Os réus foram condenados, em 2.ª instância, a pagar indenização de R$ 15 mil. À Justiça, negaram dano moral. “Passaram do limite da explanação de ideias”, afirma Mauro Hayashi, advogado e um dos três autores da ação. Para ele, a difamação na internet é mais grave do que a presencial. “A ofensa emitida em rede social ou grupo de WhatsApp tem potencialidade de atingir mais pessoas imediatamente, pode ser compartilhada, encaminhada.” Na sentença um dos desembargadores destacou o meio como “bem eficaz” para propagar a ofensa.

Ações envolvendo conflitos entre moradores estão entre as mais comuns. O síndico de um prédio de São Paulo, por exemplo, foi indenizado em R$ 5 mil após ser chamado de “crápula em pele de cordeiro”, “mentiroso” e que “não valia nada” em um grupo do condomínio.

Na ocasião, a moradora condenada chegou a expor acusações de furto de carro atribuídas ao síndico e a insinuar que ele havia desviado parte do fundo de reserva do condomínio. “Ela partiu da esfera da crítica e começou a atingi-lo no foro íntimo. O grupo reunia mais de 200 pessoas, e todas se calaram. Virou praticamente um monólogo”, diz a advogada do síndico, Sandra Cristina Vasconcelos.

Para Renato Opice Blum, especialista em Direito Digital do Insper, a tendência é haver cada vez mais ações desse tipo. “O WhatsApp, no Brasil em especial, alcança espaço maior que em outros países.” A responsabilidade pelo conteúdo, diz, pode abranger quatro tipos de agentes: o autor da mensagem ou ofensa, o administrador do grupo, quem repassa o conteúdo e até a própria plataforma.

Consequências

Outro caso é o de uma universitária paulista que prefere não se identificar. Em 2014, um rapaz publicou mensagens em um grupo alegando que manteve relações sexuais com a vítima. Soube dias depois, por meio de uma pessoa próxima que ouviu os áudios. “Se não fosse minha amiga, jamais iria saber. Poderia estar rolando até hoje. Aconteceu comigo e pode acontecer com qualquer um”, disse ao jornal O Estado de São Paulo.

Antes de recorrer à Justiça, fez contato com o autor das mensagens, mas ele continuou com as difamações. “Só queria que parasse de usar o meu nome, de falar mentiras”, desabafa. “Fiquei muito abalada, não conseguia ir na faculdade. Todo mundo ria, e eu não sabia de nada. Tinha vergonha de sair.”

Ambos tinham amigos em comum e, por isso, o rapaz usou imagens feitas em grupo para insinuar que eram próximos. Hoje, a jovem evita ser fotografada junto a rapazes. “Me afetou na parte de querer confiar. Fico insegura, porque acho que podem fazer a mesma coisa.”

Outros Estados

Dezenas de ações de dano moral em grupos de WhatsApp estão em curso ou foram julgadas no País. Não só na Justiça comum, mas também na do Trabalho - difamações em grupos de colegas de empresa, por exemplo. Como o aplicativo se popularizou nos últimos anos, a maioria ainda está em fase de tramitação.

Em Minas, um advogado foi indenizado em R$ 2 mil após ser chamado de “porta de cadeia” em um grupo de 24 pessoas. Já no Rio Grande do Sul, um homem foi condenado a pagar R$ 2 mil por veicular foto tirada sem autorização de uma mulher que viu na fila do banco. Há, ainda, ações que usam mensagens do WhatsApp como provas - desde um indício de paternidade até prova de que um réu violou ordem de restrição.

Contexto

Segundo Renato Opice Blum, professor de Direito do Insper, processos de dano moral em ambiente virtual devem aumentar, principalmente pelo grande uso dos aplicativos de mensagem no Brasil. “O WhatsApp é gratuito e fácil, e o brasileiro é muito interativo”, afirma o especialista.

A responsabilidade pelo conteúdo, diz Opice Blum, pode abranger quatro tipos de agentes: o autor da mensagem ou ofensa, o administrador do grupo, quem repassa o conteúdo e a plataforma em si (o que hoje mais carece de jurisprudência).

O professor aponta que, em geral, as vítimas descobrem as injúrias, calúnias e difamações por terceiros. Isso indica que a quantidade de atos ilícitos difundidos é maior do que a ajuizada.

O dano moral é avaliado com base na repercussão dentro e fora do ambiente virtual. Embora menos comum, pode ocorrer até mesmo em conversas privadas entre autor e vítima.

A maioria das pessoas não está ciente sobre consequências do comportamento virtual. “Se tivesse, talvez metade agiria de outro forma”, afirma Opice Blum.

Etiqueta virtual

A “etiqueta” no ambiente virtual tem sido abordada no currículo de escolas particulares de São Paulo - e não só voltada a crianças e adolescentes.

Na Escola da Vila, que tem três unidades na capital, por exemplo o comportamento de pais em grupos vinculados à instituição foi abordado em um texto chamado Precisamos falar sobre o WhatsApp.

“Uma criança que agride não é, necessariamente, uma ameaça; um objeto que desaparece não é, necessariamente, resultado de um furto; um adulto que fica bravo não foi, obrigatoriamente, inadequado. (...) Precisamos ponderar, e quem pode fazer isso, com toda a propriedade, são os profissionais da escola escolhida pelas famílias para acolherem seus filhos!”

Desde 2015, a instituição aborda o comportamento virtual desde o 6.º ano (alunos de 11 anos), quando computadores começam a ser utilizados em sala de aula. “A gente construiu um programa para a formação desse usuário. Não só no sentido técnico, mas, principalmente, como frente de estudo (de como se estuda usando a internet) e na esfera da ética, do que é certo e errado, o que é melhor e pior”, explica a diretora pedagógica Sonia Barreira.

Para ela, a formação ética e moral é uma demanda das escolas mesmo antes da internet. “Dilemas éticos surgem no convívio coletivo. A mudança é do contexto histórico”, diz Sonia.

Cidadania digital

Já na Escola Móbile, na zona sul, a cidadania digital é tratada no programa Conviver na Web, criado em 2010. Dentre os temas abordados, estão as fake news, o ciberbullying e exposição de informações pessoais na internet. “Quando você percebe que a sociedade se comunica de forma bastante intensa por meio de ambientes virtuais, sem dúvida, a cidadania digital precisa se tornar um conteúdo regular”, aponta Cleuza Vilas Boas Bourgogne, diretora pedagógica do ensino fundamental.

Segundo ela, as atividades costumam trazer exemplos reais para serem debatidos pelos alunos desde o 3.º ano. “São renovadas a cada ano, porque os conflitos de uma criança de 8 anos são diferentes dos de um adolescente”, diz. “Antes esses conflitos ficavam em esfera mais reduzida. Agora tomam dimensão muito maior. Ressaltamos que tudo que está no ambiente virtual é para sempre.”

Estudante do 9.º ano, Luísa Rocha, de 15 anos, diz tomar “muito cuidado” antes de publicar qualquer coisa em uma rede social. “Quando a gente se envolve, acaba refletindo mais e evitando algumas situações.”

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