Por Marcio Bueno
Nas últimas feiras de tecnologia e inovação, sempre há um grande espaço reservado para a gastronomia.
O maior ativo de uma pessoa hoje é o tempo, ninguém tem tempo pra nada, ou ao menos é isso que a maioria das pessoas dizem. Ninguém tem paciência pra nada, todo mundo estressado, enfim…
Portanto, seguindo a linha de pensamento de muitas escolas de negócio e empreendedorismo, que uma startup deve curar a dor do cliente (eu não estou de acordo), as startups enxergam nesta dor uma oportunidade e se colocam mãos-a-obra.
E surgem diferentes vertentes no mercado para resolver isso.
Há um grupo que surge da evolução da indústria de suplementos. Com o aumento da longevidade do ser humano, é necessário tomar suplementos vitamínicos, porque não estamos biologicamente preparados para viver tanto tempo sem ajuda da tecnologia.
Surfando essa onda, algumas empresas, como a Ocean Droop ou como Koz Susani Design, em seu projeto Just Add Water, estão trabalhando nas “comidas de astronautas”, transformando alimentos, de forma concentrada, em pílulas.
Outra linha segue por robotizar a elaboração das comidas, desde de soluções como a da empresa brasileira Bionicook, que criou a primeira rede de fast food 100% automatizada do planeta, capaz de preparar lanches on demand, feitos na hora sem intervenção humana, ou até uma solução mais gourmet como a Moley Robotics que criou braços robóticos capazes de fazer receitas que são introduzidas em sua plataforma.
Impressoras 3D capazes de “imprimir” comida
Um grupo de pesquisadores estão apostando em impressoras 3D capazes de “imprimir” comida.
Já temos impressoras que imprimem pizza, doces, mas, nesta linha, o projeto que mais me chama a atenção é o criado pela designer de alimentos Chloé Rutzerveld, que criou uma impressora 3D que imprime uma base de carboidrato e nela plantou vegetais e cogumelos, criando um ecossistema comestível.
Com tanta tecnologia os restaurantes tradicionais estão buscando formas de inovar e manter o seu espaço.
Temos restaurantes embaixo do mar nas ilhas Malvinas (Ithaa Undersea Restaurant) ou no céu, a 50 metros de altura, sustentado por um guindaste, como o projeto Dinner in the Sky, que surgiu na Bélgica e já está em mais de 40 países, inclusive Brasil.
Outros restaurantes inovam no modelo de negócio, como o Benihana, que conheci como estudo de caso no meu MBA antes mesmo de ver o espetáculo oferecido pelo chef em uma mesa em U. Para quem ainda não conhece, vale a pena ver o chef de cozinha fazendo acrobacias e preparando sua comida na sua frente. Também tem restaurantes que permitem que você possa cozinhar, como o Tantra, em São Paulo, ou trazer os ingredientes para que o chef cozinhe pra você.
Enfim, diferentes modelos, alguns são variações dos modelos atuais outros muito futuristas, que reduzem o prazer de comer e, principalmente, a importância das refeições familiares a uma capsula.
Eu já tive duas ou três conversas sobre isso com uma pessoa que está convencida, ou abduzida, que o futuro da comida está em shakes, que ela vende em espaços denominados EVS, Espaço de Vida Saudável.
Segundo ela, esta “refeição” que inicialmente só tinha o objetivo de ajudar as pessoas a emagrecerem, agora tem muita tecnologia por trás e se converterá na comida do futuro. “Não temos mais tempo para cozinhar, nem fazer refeições longas, temos que produzir”
Produzir o quê?
Para quê e para quem?
Sim, claro que temos que produzir, mas não podemos esquecer a importância da gastronomia na história da humanidade e na cultura dos povos. Não é possível entender uma cultura de um país sem considerar sua gastronomia.
Uma cápsula pode conter todos os nutrientes e suplementos necessários para a saúde (sempre com acompanhamento profissional) ou um shake pode até ser uma solução temporária para eliminar peso.
Mas eles jamais conterão as memórias afetivas, o cheiro e o sabor da comida dos domingos na casa da avó. Aquele bolo feito com muito mais amor que ingredientes. As risadas das primeiras receitas de recém-casado que não deram certo. As longas conversas em família aos domingos, ou os jantares em família onde contamos como foi o nosso dia.
Tudo isso faz parte de algo que vai muito além da alimentação do corpo. Permitam-me contar uma história pessoal.
Em 2007, eu morava em Madri, minha esposa estava grávida do nosso segundo filho, e teve alguns problemas que nos impediu viajar nas férias de verão daquele ano.
Eu tinha que buscar atividades para fazer com a minha primogênita de 10 anos naquele longo período de férias escolares.
A ideia veio rápido, eu já cozinhava com ela quase todos os finais de semana, era uma atividade pai & filha. Escolhíamos receitas, íamos comprar os ingredientes e cozinhávamos. Depois, oferecíamos os pratos à minha esposa.
Busquei um curso de culinária para pais e filhos e não encontrei. Depois de muito insistir, convenci uma escola a criar um. Eles criariam as aulas, baseadas nas receitas do chef inglês Jamie Oliver (minha filha era fã) e eu me encarregava de trazer pais e filhos para o curso. Convenci meu chefe, colegas de trabalho, amigo, e conseguimos viabilizar o curso.
Durante 8 sábados, das 11h às 13h tínhamos aula, cozinhávamos e depois almoçámos o que havíamos feito. Minha filha, hoje adulta, se lembra de tudo com muito carinho. Além de cozinhar, passamos tempo juntos, aprendemos, acertamos, erramos, enfim, vivemos.
Sim, a tecnologia está à nossa disposição para nos servir, ajudar na correria do dia a dia, mas não podemos permitir que ela substitua parte da nossa cultura e de nossas vidas.
Ah! O meu segundo filho, aquele da gravidez complicada, já tem 12 anos e faz um risoto de queijo brie com presunto de parma delicioso!
Marcio Bueno assina a coluna “Tecno-Humanização”, no Inova360, parceiro do portal R7. É Tecno-Humanista, fundador da BE&SK (www.bensk.net) e criador do conceito de Tecno-Humanização.
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