O modelo de negócios do jovem setor de micromobilidade urbana foi colocado em xeque no Brasil neste mês, depois que duas grandes operadoras anunciaram o enxugamento de suas estruturas, diante dos elevados custos de manutenção no país, segundo especialistas.
Depois da norte-americana Lime ter anunciado no início do mês encerramento de suas operações no país e em outras cinco cidades da América Latina, cerca de seis meses após sua chegada no mercado doméstico, a Grow divulgou encerramento de seu serviço de patinetes elétricos compartilhados em 14 cidades do país, além da retirada temporária de suas bicicletas das ruas para uma verificação de condições da frota.
"Acredito que isso é fruto do modelo de gestão. A expansão (das empresas) foi muito ampla e muito rápida, sem a validaçãodo modelo antes no país", afirmou Cyro Gazola, vice-presidentedo segmento de bicicletas da Abraciclo, associação que reúne fabricantes de veículos de duas rodas.
"Esse modelo de startup começa e seis meses depois tem que alcançar as estrelas, e o Brasil é um país complexo, um país onde não é fácil de se fazer essa gestão em várias frentes."
Gazola também indicou que os altos custos de manutenção prejudicaram o setor, principalmente no caso das empresas que operam veículos sem a necessidade de estações, permitindo que o usuário deixe-os em qualquer lugar dentro da área de atuação daempresa, como a Lime e a Grow.
"A Grow criou um modelo com valor agregado muito acessível, porém foi vendo na prática que o custo de manutenção e as taxasde roubo foram altíssimas", disse.
Na semana passada, a Polícia Civil de São Paulo realizou a apreensão de seis patinetes da Grow furtados por ex-funcionários da empresa, que colheu as informações em sindicância interna antes de repassá-las para as autoridades.
A Grow informou que o vandalismo é um de seus principais desafios e "segue em diálogo com o poder público para alinhar estratégias que ajudem a minimizar os efeitos do mau uso dos equipamentos". A empresa também disse que promove estudos para aprimorar cada vez mais seus equipamentos.
A Lime, que operava em 33 países, incluindo nos Estados Unidos, antes de sua reestruturação, mencionou apenas que espera "poder retornar a operação (no Brasil) em uma hora mais oportuna".
Porém, o setor de micromobilidade também tem mostrado avanços em outras frentes, como no caso das operadoras que utilizam o modelo de estações para entrega e retirada de bicicletas.
A Tembici, fundada em 2010 e operando também na Argentina e Chile, fechou 2019 com crescimento de mais de 50% na receita no Brasil, disse o presidente-executivo, Tomás Martins, sem revelar números exatos.
"Não vejo o setor como um todo em risco. Os números do ano passado mostram uma tendência de crescimento muito grande para o segmento", afirmou, acrescentando que as bicicletas da empresa já realizaram mais de 30 milhões de viagens no Brasil, sendo 20 milhões apenas no ano passado.
A frota para aluguel da Tembici no Brasil é de 8.300 bicicletas e a empresa registrou um aumento de 106% no número de viagens realizadas em 2019 no país. "Nos últimos dois a três anos a gente tem visto uma tendência muito forte de adesão a esses novos modais de transporte, com as bicicletas passando pela transição do uso focado no lazer para a mobilidade", disse Martins.
Para Gazola, da Abraciclo, o modelo com estações da Tembici está evoluindo há vários anos, "capturando o aprendizado e fortalecendo o modelo de negócio". Ele também destacou a importância da infraestrutura de mobilidade do país, afirmando que evoluiu nos últimos anos, mas ainda há muito que precisa ser feito.
"O crescimento do setor vai depender da contínua expansão da estrutura cicloviária do Brasil, sejam ciclovias, ciclofaixas, ciclorotas e bicicletários por todo o país", disse Gazola.
Na última sexta-feira, a Prefeitura de São Paulo, que já havia divulgado o novo plano cicloviário da cidade em dezembro, autorizou a abertura da licitação para empresas interessadas em implantar e operar o programa Ciclofaixa de Lazer, que envolve a utilização de vias como ciclofaixas aos domingos e feriados e havia sido suspenso em agosto de 2019.
Enquanto isso, outras empresas tentam a sorte no mercado nacional. A Uber em dezembro começou a operar patinetes elétricos no país, implementando o serviço em Santos(SP), com planos de expansão para São Paulo.
A cidade de São Paulo, em regulamento publicado no ano passado, exige o credenciamento dos operadores de aluguel de patinete elétrico. A Uber, que afirmou já ter realizado investimentos significativos para iniciar a operação, esperava o credenciamento para operar desde setembro. Procurada, a prefeitura de São Paulo informou que deferiu o pedido de credenciamento da empresa na última sexta-feira.
A Uber informou que as preparações para o início das operações estão em estágio avançado, mas a empresa ainda não possui uma data exata para o lançamento na capital paulista.
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