05/05/2020

Como contato entre humanos e animais silvestres gerou epidemias

Interferência humana em ambientes silvestres tem causado doenças infecciosas
Interferência humana em ambientes silvestres tem causado doenças infecciosas Pixabay

O aumento populacional e o maior contato humano com áreas e animais silvestres são tidos por cientistas como razões fundamentais para a ocorrer as chamadas zoonoses, doenças infecciosas transmitidas entre animais e humanos, nas décadas recentes, como a pandemia do novo coronavírus, vírus causador da covid-19.

Por todo o mundo, nos últimos 50 anos, a proximidade humana com animais e a interferência em seus ambientes deu início a epidemias como a da gripe suína, da gripe aviária, do vírus Nipah, do ebola e outros tipos de coronavírus – como Sars e Mers. Outro exemplo conhecido é o vírus da Aids, originário dos primatas, que também são hospedeiros da febre amarela, cuja transmissão se dá pelo mosquito Aedes aegypti.

Em seus hospedeiros originais, em geral, esses vírus não são danosos, mas ao entrarem em contato com outros animais ou com os seres humanos podem causar consequências graves.

“[Nas últimas décadas], tivemos uma série de ocorrências de epidemias com maior importância. Isso se deve a uma expansão da população humana adentrando locais onde vivem esses animais naturalmente”, afirma Marcelo Burattini, do Departamento de Infectologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

David Quammen, divulgador científico e autor de 15 livros, escreveu “Spillover: Animal Infections and the Next Human Pandemic” (“Spillover: infecções animais e a próxima pandemia humana”), obra de 2012 que previu uma pandemia parecida com a da covid-19 nos anos seguintes.

Quammen considera que com o aumento da população mundial – “7,7 bilhões de pessoas vivendo concentradas em cidades, juntas e próximas” –, o vírus que infectar uma pessoa nos tempos atuais “pode se tornar um dos vírus de maior sucesso no mundo, infectando humanos por todo o planeta”.

Para Camila Sachelli, professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie e doutora em Ciências (“Biologia da Relação Patógeno-Hospedeiro”), “a atividade exploratória do homem tem propiciado estes ‘encontros’ indesejados”.

Sachelli explica que o crescimento populacional, especialmente a partir de 1950, implicou na expansão das áreas urbanas, feito a partir da exploração e desmatamento de áreas silvestres – segundo ela, agricultura e pecuária também causaram impacto. Assim, se impulsionou o contato com animais e as doenças desses ambientes.

Na avaliação dos especialistas, há, portanto, responsabilidade humana na atual pandemia, assim como em outras zoonoses que assolaram o planeta nas décadas recentes.

“Todas as vezes em que o homem é acometido por uma zoonose é porque a espécie humana esteve num ambiente de transmissão da doença entre os animais. Em todos casos, sim, [há responsabilidade]. O homem de alguma maneira perturba o ciclo enzoótico dessa doença e a ocasiona em humanos”, afirma Burattini.

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A respeito do novo coronavírus, Sachelli pontua seis motivos que, em sua avaliação, evidenciam erros das pessoas em como lidar com o meio ambiente e evitar zoonoses.

Segundo a bióloga, estes motivos foram “a exploração de áreas silvestres; o consumo excessivo e sem controle sanitário de carne de animais exóticos; criações de mercados onde se proporciona o contato entre animais e patógenos que não se encontrariam na natureza; retardamento da notificação mundial sobre o surto iniciado em Wuhan e sua gravidade; ampla mobilidade proporcionada por diversos meios de transportes, especialmente o aéreo – o mundo inteiro demorou demais para criar barreiras sanitárias nos aeroportos; e, por fim, a negligência às informações que pesquisadores já vinham apresentando há muito tempo”.

Há como se reverter um quadro como este?

David Quammen defende uma revisão do comportamento humano e mudanças drásticas de hábitos. De acordo com o autor, um conjunto de fatores poderia ter um impacto potente para que menos epidemias virais ocorressem no futuro, como quantos filhos teremos (ou se teremos filhos), o quanto viajamos e nos deslocamos e maior adesão ao veganismo.

“Temos que repensar todos os nossos usos de recursos, todas as escolhas que fazemos”, diz ele, que garante só viajar a trabalho e não tem filhos.

Para Marcelo Burattini, da Unifesp, em termos práticos, não há como evitar o contato humano com ambientes e animais silvestres, mas há tentativas possíveis para se amenizar o problema. “Podemos propor a adoção de melhores práticas toda vez que se expandir a ocupação humana, com tecnologia e planejamento. Ao se levar atividade humana em áreas silvestres, que seja depois de um estudo ecológico nesses locais”, sugere o infectologista.

Em relação à alimentação e redução populacional, Burattini diz que quaisquer políticas públicas neste sentido devem ser por meio da educação e com orientações à população – sem imposições. “É um tipo de atuação limitado”, afirma.

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Camila Sachelli observa que a pandemia do novo coronavírus traz à tona uma “enorme discrepância social, quando percebemos que no nosso país há muitas famílias sem condições de isolar um familiar em outro cômodo ou mesmo não têm acesso a água para lavar as mãos, pois vivem em condições de extrema precariedade”.

Para Sachelli, este momento ressalta, também, a importância de se apoiar na ciência para buscar respostas sobre o que se é desconhecido.

“Vemos que não estamos sozinhos neste planeta quando algo tão microscópico como um vírus causa um impacto gigantesco sobre a nossa sociedade. Tenho a esperança de que ao repensarmos tudo isso possamos reavaliar nossas ações de maneira ampla e reencontrarmos o equilíbrio”, afirma a doutora em ciência.

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