Por Marcio Bueno
Vamos iniciar um novo ano e, para muitos, inicia-se um novo ano fiscal.
Novos objetivos, e os resultados do ano anterior, já não tem mais valor. Os contadores são zerados e o histórico, por mais positivo que seja, não oferece nenhuma garantia de sucesso futuro, e muito menos de empregabilidade.
Quem realizou e bateu as metas sabe o esforço que teve que fazer dá muito valor a ter sido capaz de cumprir os objetivos em um mundo VUCA (Volatility, Uncertainty, Complexity and Ambiguity). Porém, o outro lado da mesa normalmente considera que a consecução dos objetivos não passa de uma obrigação.
Essa falta de alinhamento entre liderança e colaboradores normalmente levam às discrepâncias. Um lado pensa que se mata para manter a empresa em pé e o outro pensa que “eu te pago muito bem para fazer o seu trabalho”.
O resultado é o mínimo que se espera do lado da empresa e é o máximo que o colaborador pode oferecer.
Começar do zero todo ano é, sem dúvida, algo que gera pressão. São 15 minutos de comemoração por ter batido a meta do ano anterior e 365 dias pela frente para se enfrentar à próxima. E se os objetivos de crescimento do próximo ano são agressivos, mais ainda.
Outro ponto curioso, que a maioria das empresas costumam errar. Os objetivos do próximo ano são baseados no realizado no ano anterior, aplicando a porcentagem de crescimento marcada pela empresa.
Portanto, quem superou a meta no ano anterior é penalizado porque parte de uma base maior para o cálculo da meta do ano seguinte. Quem ficou aquém da meta do ano anterior, se sobreviver na empresa, por este critério, teria uma meta menor no ano seguinte.
De todas formas, os objetivos individuais devem ser mínimos, a tendência é irmos para objetivos coletivos.
Devemos separar pelo que se paga e pelo que se valora um colaborador.
Temos que valorar a contribuição individual ao projeto, o quanto um profissional agrega ao todo.
Contudo, a remuneração deve estar associada ao coletivo, porque objetivos individuais geram uma competição interna, que levada ao extremo, costuma ser nociva, tanto para o grupo quanto para a própria empresa.
Há quinze anos atrás eu participei de uma reunião de vendas de início de ano. A imagem que ficou no telão antes do início do evento foi uma frase de Indira Gandhi que dizia:
“O mundo exige resultados. Não conte aos outros as tuas dores do parto. Mostre seu filho”
Eu havia me tornado um executivo há pouco tempo e, até então, havia aprendido que realmente era assim que tinha que ser.
Não havia desculpas para não bater as metas.
Não importa o que a minha equipe dissesse, pior ainda, qualquer coisa que minha equipe de vendas falasse eu consideraria uma desculpa.
Nesta época, em meu perfil do LinkedIn eu colocava, com orgulho, que era orientado a objetivos.
E qual o problema em ser orientado a objetivos?
Absolutamente nenhum, muito pelo contrário.
É fundamental ter um norte para se guiar.
O problema normalmente está no limite que é imposto por quem define o objetivo e por quem o realiza.
A falta de objetivos leva uma empresa à estagnação e provavelmente à morte.
Por outro lado, objetivos excessivamente agressivos podem desencadear um comportamento inadequado.
Todo mundo é bom quando as coisas vão bem. Entretanto, quando o objetivo está longe de ser batido surge a pressão, e é neste momento que vemos o caráter das pessoas.
Oscar Wilde disse que:
“Ética é o que fazemos quando todos estão olhando. O que fazemos quando ninguém vê, chama-se caráter.”
Se governança não garante ética, como vimos no artigo de mesmo nome, quem dirá caráter.
A cultura da empresa deve mostrar a importância dos objetivos, porém, deixar claro que não vale tudo para alcança-los.
Coincidentemente o mesmo executivo que colocou a frase da Indira Gandhi no kickoff, fazia algumas coisas, que hoje, considero bem inadequadas. Um dos objetivos que a equipe de liderança tinha, além de EBITDA, era o de caixa. Então, no final de cada trimestre, se bloqueava todos os pagamentos a fornecedores, mas se negociava com eles pagar juros pelo atraso. Nossa empresa ganhava menos dinheiro, mas como juros vai abaixo do EBITDA, não afetava nossos objetivos e bônus.
Quando me refiro que, em momentos de pressão é que conhecemos o caráter das pessoas, uma das situações que me marcou muito foi quando fui escalado por um diretor de um fabricante de tecnologia, empresa parceira.
Eu recebi uma ligação do Vice-Presidente de Hardware me pedindo para processar um pedido urgente de um projeto que havíamos fechado.
Eu disse que a minha equipe já estava cuidando disso e ele insistiu.
Me pediu para mudar o fornecedor que estávamos usando porque ele precisava do pedido naquele dia.
Eu disse que iria olhar o que estava acontecendo e retornaria em seguida.
Chamei o meu diretor de produtos e me informei.
A questão era a seguinte, era sexta-feira, no dia anterior havia sido feriado, e o responsável pelo nosso projeto no fornecedor aproveitou e emendou o feriado.
Nós havíamos enviado o pedido, porém ele não processou o pedido no fabricante.
O fabricante queria que eu cancelasse o pedido do meu fornecedor e comprasse em outro.
Eu me neguei, retornei à ligação e disse que não faríamos isso.
Por quê?
Porque este fornecedor nos apoiou em fase de pré-venda e nos emprestou um equipamento para fazer uma prova de conceito no cliente.
Não era fechamento de trimestre.
Não era fechamento de ano fiscal.
Eu não traio os meus parceiros de negócio.
Vamos abandonar velhas práticas que nos trouxeram até aqui como sociedade.
Devemos trabalhar com tensão, não relaxar em relação aos objetivos, agora, pressão… tem limites.
Quais?
O primeiro, o da ética.
O segundo, o do caráter.
Ano novo, práticas novas!
Marcio Bueno assina a coluna “Tecno-Humanização”, no Inova360, parceiro do portal R7. É Tecno-Humanista, fundador da BE&SK (www.bensk.net) e criador do conceito de Tecno-Humanização.
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