31/01/2019

Review: Kingdom Hearts 3

Era madrugada de um sábado chuvoso. A Bruna de 12 anos lutava contra o sono e contra Xemnas, na batalha final de Kingdom Hearts 2. Depois de alguns fracassos, lembro que me rendi ao cansaço e frustração no meio do combate e, para não precisar retornar ao início da batalha na manhã seguinte, deixei meu fiel PlayStation 2 ligado durante o resto da noite. Com os dedos e mente mais focados, finalmente pude concluir meu game favorito da vida com mais dignidade. A sensação gratificante de vencer a sufocante e última batalha se repetiu novamente, 11 anos depois, em Kingdom Hearts 3. Dessa vez, não precisei esperar até o dia seguinte. A Bruna do passado ficaria muito orgulhosa.

Com a chegada de Kingdom Hearts 3 no PlayStation 4 e Xbox One, a primeira pergunta que vem a cabeça de muitos fãs é: todos esses anos de espera valeram a pena? É isto o que pretendo discutir neste review sem spoilers. No entanto, a conclusão definitiva de uma resposta tão pessoal -- especialmente atrelada a uma franquia tão amada quanto esta -- será somente sua.

Entre luz, há escuridão

O brilho de Kingdom Hearts 3 está todo no combate, que entrega além do que pude desejar. O game aproveita de mecânicas que deram certo nos títulos anteriores e acrescenta uma porção de novidades. Os movimentos de Sora permanecem fluídos, enquanto o número de habilidades cresceu consideravelmente e a variedade de inimigos é impressionante. Além de agora ser possível equipar três keyblades e alterná-las na batalha, as icônicas armas podem passar por transformações únicas, que desencadeiam uma série de habilidades que aumentam as opções de estilo de jogo.

Todas as transformações são criativas e oferecem diferentes vantagens, o que faz com que o gameplay não seja repetitivo. Por exemplo, a Happy Gear, keyblade de Monstros S.A., contém benefícios de Força e pode ser transformada em garras gigantes e ioiôs. A keyblade que mais usei foi a Shooting Star, que, ao ser transformada, habilita disparos consecutivos de magia e, consequentemente, possibilita um combate a distância com chefões mais perigosos.

É notável como cada mundo em Kingdom Hearts 3 traz uma experiência diferente."

O gameplay também ganha com o sistema de mira fixa Shotlock, os espetaculares Links que convocam, temporariamente, personagens ao combate e os golpes realizados em conjunto com seus aliados. Inicialmente, parece uma grande festa de poderes especiais para todos os lados, mas diversas batalhas vão exigir mais precisão e estratégia, e o uso de habilidades poderosas nem sempre será a sua salvação. Uma novidade que evitei utilizar, entretanto, foram as Atrações, que incluem especiais como xícaras giratórias, um carrossel gigante e outras representações coloridas de brinquedos dos parques de diversão da Disney. Embora visualmente bonitas, as execuções das Atrações não são tão divertidas e, às vezes, parecem quebrar o clima e ritmo da batalha. Outro ponto que pode interferir no combate é familiar aos fãs da franquia: depois de Xehanort, a vilã é a problemática câmera. Por um punhado de vezes, perdi total visão da batalha com a tela sendo preenchida por elementos do cenário ou por um pedaço do imenso inimigo que estava enfrentando.

É notável como cada mundo em Kingdom Hearts 3 traz uma experiência diferente porque, além de inimigos únicos, eles oferecem mecânicas e atividades exclusivas. O de Enrolados, por exemplo, me conquistou após um mini-game de dança, enquanto o de Toy Story, me divertiu ao permitir controlar e lutar com gigantes robôs de brinquedo. Os mundos também cativam nos ambientes, que adaptam com sucesso o que assistimos nos filmes e aproveitam a temática de cada contexto para ir além -- os cenários aquáticos de Piratas do Caribe, por exemplo, são deslumbrantes. O game, entretanto, falha ao oferecer pouquíssimos chefões marcantes nos mundos da Disney. Vale notar que esses chefes, em sua grande maioria, são Heartless, embora o encontro com membros da Organization XIII aconteça durante todo o jogo.

Na parte visual, o game aproveita do motor gráfico Unreal Engine 4 para criar efeitos impressionantes, que completam muito bem outros detalhes da tradicional identidade visual da franquia, como o design de cada keyblade ou os desenhos temáticos do menu de ações. Enquanto os gráficos do gameplay não decepcionam, há diferenças visuais entre as cenas cinemáticas (feitas em CG) e as cutscenes (com gráficos do game), sendo a primeira visualmente mais agradável. As cutscenes, por sua vez, sofrem variações estranhas. Em diversos momentos e especialmente em alguns diálogos, as animações e expressões visuais dos personagens são robóticas, enquanto o ambiente ao fundo dos personagens é liso e simples. É no mundo de Piratas do Caribe em que Sora, Donald e Pateta recebem mais detalhes de iluminação e sombra em seus modelos, visual justificado pelo fato de que este é um mundo baseado em um filme live-action (veja na galeria abaixo). Esses mesmos efeitos poderiam ser aplicados nos outros mundos sem comprometer a identidade visual das animações da Disney.

Uma pausa para a keyblade

Kingdom Hearts 3 também é recheado de atividades secundárias, algumas delas obrigatórias, como é o caso da Gummi Ship. O gameplay com a nave de Sora foi uma das experiências mais frustrantes que já tive na série. Deixando as fases lineares para trás, o game agora oferece um espaço em aberto para você percorrer com a nave, algo necessário para viajar entre os mundos. As mecânicas de exploração e combate simplesmente não funcionam como deveriam e não chegam nem perto de oferecer uma experiência prazerosa. Acabei ficando com saudades da velha Gummi Ship que, ao contrário de alguns fãs, eu até que gostava.

As dez horas iniciais de Kingdom Hearts 3 foram marcadas por sentimentos mistos."

Sora agora também pode criar refeições no restaurante de Remy, o rato e mini-chef de Ratatouille. Por isso, é possível encontrar e coletar ingredientes para cozinhar pratos em divertidos mini-games. As refeições oferecem atributos temporários a Sora, mas essa não é uma atividade que vai influenciar de maneira significativa no seu progresso. Já os games do Classic Kingdom são puros passatempo e uma ótima opção para quem desejar descansar um pouco da jogatina principal.

Um fim para um novo começo

As minhas dez horas iniciais de jogo em Kingdom Hearts 3 foram marcadas por sentimentos mistos, especialmente por conta da lenta progressão da história (já de praxe). A jornada começa com Sora, Donald e Pateta viajando ao Olimpo a fim de buscar conselhos de Hércules, e, posteriormente, conquistar os poderes do herói. Isso obriga que o trio de amigos embarquem, mais uma vez, em uma jornada por vários mundos. Dessa forma, todas as reviravoltas e batalhas emocionantes estão concentradas no terceiro e último ato de Kingdom Hearts 3 e, até lá, temos a boa e velha enrolação nos mundos da Disney. A forma como as histórias das animações se encaixam na narrativa do game, entretanto, permanece convincente.

Claro que adiantar a batalha contra Xehanort não seria a solução para melhorar o ritmo das primeiras horas, mas, sim distribuir outros desfechos importantes ao longo da narrativa, principalmente quando levamos em conta o quão sedento os fãs estão para encontrar e confrontar certos personagens. Ao mesmo tempo, a história de Kingdom Hearts 3 é bem amarrada e rever Sora, Donald e Pateta é cativante do primeiro ao último segundo. O game também se esforça o máximo possível para deixar tudo mastigado aos fãs, incluindo os novos jogadores. A complexidade ainda está lá, mas agora há meios para compreender o máximo possível, incluindo vídeos, disponíveis no menu inicial, que recapitulam os acontecimentos da série. Uma dúvida ou outra faz parte de Kingdom Hearts, portanto não se culpe quanto a isso. Uma falha grave neste aspecto, no entanto, é a ausência de legendas em português do Brasil.

Mesmo que tarde, Kingdom Hearts 3 garante um final épico e comovente para a saga Xehanort. É difícil descrever a emoção de finalmente poder ver e participar da conclusão que esperamos tanto -- e, conforme o epílogo e cena secreta sugerem, ainda há muito planejado para a franquia. Neste aspecto, o game entrega o que eu queria com alguns desfechos já esperados e supera minhas expectativas com outras surpresas. Na verdade, a minha ficha de que tudo isso aconteceu vai demorar um bocado para cair. A ideia de jogar Kingdom Hearts 3 sempre me pareceu distante, como se fosse algo inalcançável. Você passa anos cultivando expectativas, questionando se o momento realmente chegaria, até que chega. Essa é uma sensação com a qual eu dificilmente vou me acostumar. Poder finalizar este game é a realização de um sonho, enquanto ter a oportunidade de escrever este review é uma conquista pessoal.

Quem deve jogar este game?

Qualquer fã da franquia, mesmo os que estão há anos sem jogar um Kingdom Hearts, devem dar uma chance para a conclusão da história original e, principalmente, desfrutar do melhor combate da série. O investimento em Kingdom Hearts 3, tanto em tempo quanto em dinheiro, é alto demais para jogadores de primeira viagem que desejam apenas desfrutar um bom gameplay. Aos que buscaram entender a história da série, a continuação é mais convidativa em termos de complexidade narrativa. Entretanto, a emoção dos acontecimentos certamente não será a mesma para quem nunca jogou Kingdom Hearts.

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