Enquanto pessoas em diversos países seguem isoladas em suas casas devido à pandemia do novo coronavírus, algumas cidades vêm suas ruas serem tomadas por visitantes pouco comuns.
Javalis, cavalos, veados, macacos e diversos outras espécies de animais foram flagrados circulando por cidades desertas no Japão, na Tailândia e na Itália.
Segundo Mathias Mistretta Pires, Professor do Instituto de Biologia da Unicamp e membro da Força Tarefa Covid-19 Unicamp, o que ocorre nesses casos é que a redução da atividade humana acaba permitindo que esses animais explorem mais os ambientes urbanos.
“Em alguns casos, como em Veneza, isso está associado à menor atividade na água, o que permite que os cardumes de peixes se aproximem e, com isso, animais como golfinhos apareçam em busca desses peixes”.
O zoólogo e professor da Unesp, Carlos C. Alberts, explica que mesmo fora da quarentena, as cidades já se tornaram lar para diversos animais silvestres, devido à grande expansão urbana. Geralmente eles costumam sair somente à noite em busca de comida por medo, mas, "quando o ser humano desaparece, aquela grande área começa a ser invadida".
Os professores explicam que muitos animais, antes de explorar uma área, avaliam o risco de entrar nela, não somente em relação ao ser humano, mas também a predadores ou outros indivíduos de sua própria espécie que possam ser uma ameaça.
Este cenário é chamado, em ecologia, de paisagem do medo. É ele que faz um animal mudar seu comportamento e evitar um local apenas por sentir o cheiro ou ouvir o som de um predador.
“Quando diminuímos nossa atividade, também diminui o som, o cheiro, e toda a confusão de movimento de pessoas e veículos. Mesmo os animais mais ariscos percebem isso como uma pista de que é seguro percorrer aquela área, seja em busca de alimento, ou apenas por estarem de passagem para um outro local”, explica o professor da Unicamp.
Para ele, isso mostra como nossas atividades limitam a movimentação dessas espécies.
Segundo Carlos, os animais, ao longo de milênios, se acostumaram com um ser humano agressivo, seja caçando ou apenas afastando e matando sem necessidade. Com isso, animais mais tímidos tiveram mais sorte e evitaram a morte.
"E essa timidez, como traço comportamental hereditário, passou para outros animais da espécie e, com isso, a espécie se tornou mais tímida como um todo", comenta.
Mesmo com a dominância desta timidez, existem membros mais corajosos da espécie que gostariam de se aproximar dos locais urbanos e veem, na quarentena, o momento perfeito para isso. Com o final do isolamento e o retorno das atividades cotidianas, a tendência é que os bichos se retraiam novamente e retornem a seus locais mais escondidos.
Segundo Mathias, os animais só conseguem estabelecer suas populações, de fato, em novos lugares quando a atividade humana cessa por períodos longos de tempo.
“As áreas de exclusão em Chernobyl e Fukushima, que foram delimitadas devido aos acidentes com radiação. Mesmo havendo contaminação, a vida selvagem tomou conta do lugar e até espécies altamente ameaçadas de extinção hoje são vistas nessas regiões”.
O zoólogo da Unesp comenta que ao mesmo tempo em que isto é triste, também é uma lembrança de que, sem o ser humano, a natureza se refaz de uma maneira relativamente rápida.
“É curioso imaginar que a atividade humana pode ser mais prejudicial aos animais do que radiação”, comenta Mathias.
Já o professor Carlos prefere um olhar mais otimista, já que, em todo lugar, vemos as pessoas filmando e tirando fotos quando se deparam com os animais. Isso é um indício de que o ser humano sente falta deste contato com a natureza, especialmente neste momento em que muita gente está presa dentro de casa.
"Todos falam que poderiam estar passeando pelo parque ou fazendo uma viagem para perto da natureza. E esses animais por perto lembram a gente disso. Então, talvez, este tempo passado dentro do isolamento faça com que se reflita um pouco e se dê vazão a este amor que a gente tem pela natureza", conclui o zoólogo.
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