Após ser considerada referência laboratorial em coronavírus nas Américas pela OMS (Organização Mundial de Saúde), a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) deve receber nas próximas semanas amostras de países latino americanos para ajudar na análise do genoma do SARS-Cov-2, nome científico do agente causador da covid-19.
A OMS nomeou na semana passada o IOC/Fiocruz (Laboratório de Vírus Respiratórios e do Sarampo do Instituto Oswaldo Cruz) como laboratório de referência do continente, ao lado do Laboratório para Diagnóstico de Vírus Respiratórios do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças), dos Estados Unidos.
A chefe do laboratório, Marilda Siqueira, comemorou o reconhecimento ao trabalho desenvolvido por pesquisadores da Fiocruz e pelo Ministério da Saúde ao longo de décadas. Em entrevista à Agência Brasil, a pesquisadora contou que o laboratório brasileiro participou ontem (14) da primeira reunião, por videoconferência, com laboratórios de toda a América Latina. O encontro foi uma iniciativa da OPAS (Organização Pan Americana de Saúde), e deve se repetir dentro de 15 dias. À distância, pesquisadores expuseram dúvidas e dificuldades em relação à doença.
"Os responsáveis por cada laboratório nacional tinham muitas dúvidas, então, ajudamos a esclarecer. Muitas coisas a gente respondeu. Essa é uma questão dinâmica", conta a pesquisadora. "Uma prioridade agora é o envio de amostras dos países para o Brasil, para fazer análise genômica. Quem está coordenando isso é a OPAS.”
A análise genômica permite saber como se deu a dispersão do vírus em cada país, identificando por exemplo se ele chegou a partir de várias introduções vindas do exterior ou se poucos pontos disseminaram a infecção ao longo do território nacional. Além de uma comparação com amostras de outras partes do mundo, a análise também permite acompanhar a evolução temporal do vírus dentro do próprio país.
"Isso é importante para definir estratégias de controle da doença, e para monitorar essas estratégias", explica Marilda Siqueira, que acrescenta que esse conhecimento genético também será relevante para que a efetividade de futuras vacinas ou antivirais seja verificada e aprimorada. "O vírus muda muito ou não muda muito ao longo do tempo? As mudanças que vão ocorrer no vírus podem ou não podem influenciar em uma vacina quando ela estiver pronta?", indagou.
Ao ser considerado referência no continente, o laboratório assume também outras responsabilidades, como apoiar a introdução de novas metodologias de diagnóstico na região e preparar painéis de controle de qualidade, para avaliar a capacidade de testagem de cada país. "A gente vai, daqui a alguns meses, preparar uma série de amostras que vamos enviar para os países. Amostras sabidamente positivas e outras sabidamente negativas, para eles testarem e nós verificarmos como está a capacidade deles em reconhecer amostras negativas e positivas.”
O apoio a laboratórios de outros países já havia começado antes mesmo da nomeação oficial. À pedido da Opas, técnicos de nove laboratórios de países latino americanos foram capacitados na Fiocruz em fevereiro para se prepararem para a chegada do novo coronavírus a seus países.
Com as medidas de isolamento e as restrições a viagens, esse tipo de orientação agora só pode ocorrer por meio de videoconferências e o compartilhamento de informações na internet. "A gente distribui os protocolos e discute por Skype ou qualquer outra maneira", afirmou a pesquisadora.
O Laboratório de Vírus Respiratórios e do Sarampo já conta com reconhecimento internacional há mais de 60 anos. Desde 1957, o laboratório integra o Sistema Global de Vigilância e Resposta à Gripe, e participa da análise que contribui para a composição da vacina anual contra o influenza.
Nos últimos anos, o laboratório atuou ainda como referência nacional para SARS (Síndrome Respiratória Aguda Grave), MERS (Síndrome Respiratória do Oriente Médio) e ebola.
Na Fiocruz desde 1981, Marilda Siqueira considera que a pandemia de covid-19 é um dos períodos de mais intenso trabalho no laboratório, que tem funcionado durante mais de 12 horas por dia e também nos fins de semana. A pesquisadora lembra da pandemia de influenza, em 2009, como um momento ainda mais intenso, mas com outra visibilidade.
"O influenza é um vírus contra o qual já tínhamos antivirais. Isso ajudava a diminuir o medo, e sabíamos que em seis meses teríamos uma vacina. O impacto no psicológico das pessoas foi muito diferente, e as estratégias usadas para controle foram muito diferentes", concluiu.
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