A parte central do sistema de comunicação que está sendo desenvolvido para a polícia britânica e outros serviços de emergência do Reino Unido não vai mais usar tecnologia da chinesa Huawei, informou a empresa de telecomunicações britânica BT.
A decisão de barrar o uso da tecnologia chinesa poderia atrasar ainda mais o projeto, orçado em 2,3 bilhões de libras (R$ 11,5 bilhões), mas a BT disse que vai cobrir o custo da substituição e descartou que mudanças no cronograma.
Potências ocidentais vêm acusando a empresa de ser usada como instrumento de espionagem do governo chinês, o que a Huawei nega. O jornal britânico The Daily Telegraph foi quem publicou a decisão britânica em primeira mão.
No início deste mês, a empresa britânica já havia anunciado que deixaria de usar tecnologia da gigante de tecnologia asiática em suas redes de telefonia móvel 3G e 4G. Além disso, também abortou os planos de usá-la em sua rede de telefonia 5G (ainda não lançada).
A Emergency Services Network (Rede de Serviços de Emergência ou ESN, em inglês) deveria estar concluída no fim do ano que vem.
O objetivo seria substituir o Airwave, um sistema de rádio dotado de tecnologia da multinacional americana Motorola e usado pela polícia, Corpo de Bombeiros, Defesa Civil e outros serviços de emergência.
O ESN dá aos usuários prioridade de acesso à rede 4G da operadora EE, que está sendo ampliada por meio de novas antenas e frequências de rádio em áreas rurais. Em teoria, esse sistema deveria ser mais barato do que o atual, além de ser superior tanto em termos de voz quanto de dados.
Mas o projeto vem sofrendo seguidos atrasos. Por causa disso, em setembro deste ano, o Ministério do Interior britânico disse que pagaria pelo uso do Airwave até o fim de 2022 com a possibilidade de uma nova extensão contratual se necessária.
A EE ganhou o contrato para operar o ESN em 2015, um ano antes de a operadora ter sido adquirida pela BT.
A decisão da BT de barrar o uso da tecnologia chinesa no sistema de emergência em desenvolvimento representa mais um golpe para a chinesa Huawei.
Potências ocidentais acusam a empresa chinesa de ser usada como instrumento de espionagem do governo da China. Esses países argumentam que, uma vez contratados seus serviços, informações sigilosas poderiam ser roubadas e usadas para outros fins.
Por outro lado, a Huawei afirma que é independente e não possui nenhuma relação com Pequim, cumprindo apenas com suas obrigações tributárias, como qualquer empresa que opera em território chinês.
Mas, para críticos, o grau de liberdade de qualquer grande companhia chinesa junto ao governo é limitado. Eles destacam que o fundador da Huawei, Ren Zhengfei, conhecido por ser avesso à imprensa, trabalhou como engenheiro no Exército do país e se filiou ao Partido Comunista em 1978.
No início deste mês, outro episódio aprofundou o mal-estar entre a gigante de tecnologia e o Ocidente.
A pedido dos Estados Unidos, Meng Wanzhou, filha do fundador da gigante de tecnologia Huawei e diretora financeira da companhia, foi presa no Canadá.
O governo americano acusa a Huawei de ter usado uma subsidiária, a Skycom, para burlar as sanções ao Irã. A gigante chinesa afirma que o braço empresarial é independente.
Para a China, que exige a liberação imediata da executiva, a detenção é uma "violação de direitos humanos".
A acusação pediu à Justiça canadense que Meng não tenha a liberdade condicional concedida enquanto o pedido de extradição por parte dos Estados Unidos estiver em tramitação.
A executiva fez um pedido de liberdade condicional por questões de saúde após sua prisão. Se for de fato extraditada, Meng enfrentará acusações de usar o seu cargo para criar uma conspiração e fraudar várias instituições financeiras. Cada um dos crimes de que ela é acusada tem uma pena de até 30 anos.
A Huawei tem 15% do mercado mundial de telefones celulares e é, atualmente, a segunda maior produtora. A empresa tem sido alvo de proibições em vários países ocidentais, que temem que Pequim obrigue a companhia a revelar segredos industriais e outras informações que poderiam colocar em risco a segurança nacional de terceiros.
O receio é de que o governo chinês tenha acesso à rede móvel de quinta geração (5G) e a outras redes de comunicação da Huawei para ampliar sua capacidade de espionagem.
Estados Unidos, Nova Zelândia e Austrália proibiram o uso de tecnologia e equipamentos da empresa por razões de segurança. Canadá, Alemanha, Japão e Coreia do Sul colocaram a empresa sob avaliação.
O vínculo do fundador da empresa, Ren Zhengfei (um ex-oficial do Exército Popular de Libertação da China), com o Exército chinês é um dos argumentos usados pelos EUA para defender a ideia de que a Huawei é uma ameaça à segurança nacional.
O país também vê com preocupação a crescente importância que a empresa tem obtido no mercado global.
A Huawei cresceu rapidamente no mercado de equipamentos que fazem as redes de celulares funcionarem. Atualmente, é o maior provedor de equipamentos de telecomunicações do mundo.
Teoricamente, o controle da tecnologia que está no centro das mais importantes redes de comunicação dá à empresa a capacidade de vigiar e interferir em comunicações em qualquer eventual conflito.
Os EUA se preocupam especialmente com uma norma aprovada em 2017 pela Agência Nacional de Inteligência da China que estabelece que as empresas do país devem "apoiar, cooperar e colaborar com o trabalho de inteligência nacional."
Foi depois da aprovação dessa norma que os EUA, a Austrália e a Nova Zelândia proibiram o uso de tecnologia da Huawei para criação de redes 5G.
Os países são três dos cinco membros da aliança conhecida como "Five Eyes" (Cinco Olhos, em inglês), feita para cooperação em inteligência.
Os outros membros da aliança são o Canadá, que está revisando sua relação com a empresa, e o Reino Unido, que ainda não tomou nenhuma atitude contra a empresa - apenas pediu que ela resolva problemas que representem "novos riscos" para a rede.
A companhia se apresenta como uma empresa privada, cujos donos e funcionários não têm nenhum vínculo com o governo chinês.
A Huawei afirma que a segurança de seus produtos é uma de suas prioridades e que parte da "hostilidade" de que "está sendo vítima" se deve ao fato da empresa estar sendo vista como uma ameaça comercial.
No passado, o próprio governo chinês declarou que o bloqueio a produtos da Huawei se deve a "práticas protecionistas e discriminatórias".
Os episódios de hostilidade contra a empresa começaram em um contexto de guerra comercial entre Washington e Pequim, com o presidente Donald Trump acusando a China de práticas comerciais injustas e de facilitar o roubo de propriedade intelectual das empresas americanas, e impondo novas tarifas de importação sobre produtos chineses.
Vários outros países, no entanto, já planejam introduzir as redes de comunicação 5G simultaneamente, e o cenário se tornou mais competitivo para as empresas que querem conseguir contratos.
"Há uma guerra de regulação", afirma Emily Taylor, do centro de estudos britânico Chatham House.
"Creio que a vantagem comercial de definir normas que favorecem as empresas tecnológicas locais também é algo que está em jogo."
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